São 1.343.463 eventos de design e tecnologia que acontecem no mundo inteiro, 23.243 no Brasil, 2.425 em São Paulo. Apesar de serem tantos, apenas 10 são acessíveis. Os números são hipotéticos, mas a realidade é bem assim. Por que esses eventos não são acessíveis? Onde estão as pessoas com deficiência nesses eventos e as 45 milhões de pessoas com deficiências no Brasil? Por que a diversidade é quase nula na área de Design?
Nós designers falamos muito sobre atender às necessidades dos usuários, sobre mentalidade inclusiva e da famosa "empatia". Parece que todos esses pontos são inerentes à nossa função, mas a verdade é que é muito fácil projetar experiências excluindo pessoas sem nem mesmo perceber e planejar eventos de design sem pensar em acessibilidade. Isso acontece por diversos motivos: falta de convivência com pessoas com deficiência; pela rara/inexistente disciplina de acessibilidade/design universal nas faculdades; falta de diversidade em lugares privados e públicos; pelo não cumprimento das leis de acessibilidade (lei brasileira de inclusão) etc. A lista é grande. Afinal, a acessibilidade não é tão popular quanto deveria ser.
Mas por qual motivo? O que falta para que essas práticas inclusivas sejam, de fato, promovidas?
Podemos colocar como um dos principais fatores a falta de diversidade na equipe de organização do evento.
Então o que seria um evento acessível?
Por definição, Acessibilidade é oferecer autonomia para pessoas, com ou sem deficiência, usufruírem de serviços, produtos e lugares. Sendo assim, o que caracterizaria um evento de design como acessível seria a concepção de um espaço, palestras, dinâmicas etc. em que todos conseguissem circular de forma confortável e absorver o conteúdo sem nenhum tipo de barreira física ou comunicacional.
No entanto, fazer com que isso seja possível não é tão simples. É necessário que os organizadores do evento entendam as necessidades das pessoas com deficiência e, a partir disso, se atentem aos detalhes que podem frustrar suas experiências.
Organizar um evento com mentalidade inclusiva é aplicar as recomendações de acessibilidade desde o início de sua concepção. A empatia, que tanto se discute em design, também demanda esse tipo de preocupação. É importante torná-la prática e funcional na vida real, não apenas em artigos do Medium. Sair de um paradigma de exclusão é sobre trazer essas pessoas que já têm um histórico de serem esquecidas pela sociedade para perto. Tê-las nos espaços de discussão e oferecer lugar de fala.
A falta da presença de pessoas com deficiência em eventos se deve, principalmente, ao fato de que elas não se sentem contempladas ou confortáveis nesses ambientes, que continuam reforçando a ideia de não serem lugares feitos para nós.
O próprio processo de inclusão cultural de pessoas com deficiência é muito mais lento se comparado ao de pessoas sem deficiência. Isso se deve, além da exclusão fomentada pelos espaços de convívio, a diversos fatores como: maior custo de vida e o baixo número dessas pessoas no ensino superior ou nas áreas de design, por não terem sido beneficiadas pela lei de cotas no ensino superior de 2012 e só terem sido incluídas neste programa em 2016.
Ainda sobre empatia, é quase impossível se sensibilizar com causas de pessoas com as quais você não convive. Olhar através da perspectiva de uma pessoa com deficiência nunca será possível porque só a vivência pode traduzir certas sensações e situações para o mundo empírico. Sendo assim, os eventos de Design precisam agregar essas pessoas em sua organização, abraçar mais a diversidade, para entender suas necessidade dando espaço, oportunidade e lugar de fala a elas.
Apesar de já existirem materiais sobre acessibilidade, organizar eventos inclusivos não é uma tarefa fácil se formos pensar em todos os outros problemas e preocupações envolvidos. Entretanto o fato é que só quando conseguirmos idealizá-los dessa forma é que será possível transmitir os ensinamentos de design a todos igualitariamente.
E como trazer pessoas com deficiência com mais frequência para esses espaços?
É importante que o evento seja claro e mostre que pode ser acessível. Isso pode ser feito com um contato fácil ou através de um formulário com aquelas perguntinhas básicas como: "Você tem deficiência? Se sim, qual?" e "Você tem alguma necessidade? Por exemplo: intérprete de Libras."
Se a sua intenção é aumentar a diversidade e focar em inclusão, existe um evento que criou o programa +Diversidade, que discute várias formas de inclusão, uma delas é voltada para acessibilidade. Esse programa pode ser um ótimo incentivo para mudar a estatística de eventos não acessíveis e reduzir esse número. Além disso, talvez seja interessante abordar os temas inclusão e acessibilidade na abertura dos eventos, assim podemos disseminar o conhecimento e despertar o interesse das pessoas presentes.
O site, a divulgação, as apresentações, a localização, o serviço são algumas coisas que estão inclusas na organização. O site que fornece os ingressos, por exemplo, precisa ser acessível para pessoas com deficiência visual. Muitos eventos são hospedados nas plataformas Meetup e Sympla, que são absolutamente inacessíveis e por onde é impossível comprar ou adquirir um ingresso se você for cego. Nesse caso, o leitor de telas é um recurso inútil e só isso já é um impeditivo muito sério. Infelizmente a maioria dos eventos não têm estrutura ou orçamento para criar um site acessível, o que impede pessoas cegas de terem autonomia durante a compra e, consequentemente, reduz sua participação.
E durante os eventos, o que pode ser feito?
Como já foi falado anteriormente, é muito importante ter a participação de pessoas com deficiência na organização do evento por serem capazes de dizer quais são as necessidades enfrentadas por outros que têm a mesma deficiência que elas, promovendo mudanças reais, além de fazer com que outros também se sintam representados de alguma forma dentro daqueles espaços. Ter essas pessoas envolvidas na organização também faz com que o evento seja mais divulgado para grupos de pessoas com deficiência, ampliando a chance de tê-los presente.
A ideia de ter embaixadores com deficiência também mostra que o evento pode ser inclusivo, além de destacar que eles são, sim, capazes de ocupar cargos importantes e desempenhar esses papéis. Dessa forma, as pessoas podem mudar sua visão e aceitar que pessoas com deficiência podem organizar e palestrar nesses eventos.
Se achar difícil encontrar pessoas que queiram participar da organização, procure as associações para pessoas com deficiências, elas costumam ter boas indicações.
Sabemos que é complexo, mas talvez uma lista de checagem para um evento acessível possa ajudar:
Chegado o dia, lembre-se de coisas mais simples que também podem fazer a diferença e cobrir possíveis furos (nem sempre tudo sai como planejado e está tudo bem):
A acessibilidade ainda tem um longo caminho pela frente, mas fazendo a nossa parte com nossos produtos, eventos, entre outros, já contribuímos para que novas portas sejam abertas.
Sou graduada em Design pela UNIBRATEC, tenho Licenciatura em Expressão Gráfica pela UFPE e estou concluindo a pós graduação em Libras pela UNIVERSO. Meu primeiro contato com acessibilidade foi o aplicativo ProDeaf, como estagiária de design. A partir daí, o meu entusiasmo por acessibilidade digital e comunicacional só aumentou. Além disso, tenho deficiência auditiva o que me faz entender ainda mais o quanto a inclusão é importante. Atualmente trabalho como Product Designer e embaixadora de acessibilidade no QuintoAndar.