Ainda há quem diga que UX é um termo novo, uma disciplina que ganhou relevância nos últimos anos e que agora está na moda. Entretanto, User Experience não é um conceito tão novo como alguns acreditam. O termo foi criado em 1993 por Don Norman - ao mesmo tempo em que a internet como conhecemos dava seus primeiros passos - quando ele era Vice Presidente do ATG - Advanced Technology Group, o laboratório de pesquisas da Apple. Também conhecido como Apple Research Labs, o escritório investigava assuntos relacionados à Interação Humano-Computador (IHC), reconhecimento de voz, computação gráfica e muitos outros temas relativos a softwares e hardwares. Neste período, Norman acreditava que definições como Usabilidade e User Interface não correspondiam ao trabalho que ele e seu time faziam - e até mesmo o limitava. Por este motivo, com o intuito de tentar definir de maneira mais abrangente seu escopo de trabalho, ele deu um novo nome ao seu próprio cargo: User Experience Architect. Ao mesmo tempo, neste mesmo ano, Jakob Nielsen, que alguns anos depois tornou-se sócio de Don Norman no Nielsen Norman Group, lançava a clássica publicação Usability Engineering, em que discorre sobre princípios de usabilidade, tipos de interface, heurísticas, linguagem e comunicação com usuários, testes de usabilidade e diversos outros temas extremamente atuais até hoje. Também nessa mesma época, Alan Cooper, que há alguns anos fazia parte do grupo de profissionais que questionava a maneira como as pessoas interagiam com softwares, fundava na Califórnia sua própria consultoria, responsável por introduzir ao mercado o conceito de personas. É seguro afirmar, portanto, que as disciplinas de User Experience têm fundamentos sólidos, que são debatidos de maneira recorrente há mais de 20 anos, apoiadas principalmente por descobertas originárias de pesquisas com usuários.
Observando um outro cenário nesta mesma época, era 1990 quando a internet irrompia como uma nova plataforma de informação e relacionamento entre pessoas e também entre pessoas e empresas. Todos os setores do mercado precisaram se movimentar para começar a repensar seus modelos de negócio, respondendo à rápida mudança de comportamento de seus consumidores: os anos passavam e cada vez mais as pessoas estavam vivendo boa parte de suas vidas online. Conversar com amigos, ler notícias, conhecer novas pessoas, fazer compras, escrever para grandes públicos e procurar emprego rapidamente deixaram de ser atividades que faziam sentido para o offline. E as agências de publicidade, como ficaram nessa história? Antes acostumadas a trabalhar com comerciais para TV e materiais impressos, elas prontamente ampliaram sua operação para atender clientes que desejavam estabelecer presença digital. Os anúncios de revista viraram banners piscantes em portais e os jornais impressos ganharam versão semelhante com hiperlinks.
Mas o que muda quando avançamos o recorte temporal deste texto em algumas décadas pra frente? Chegamos em 2020 e a maturidade dos times de User Experience nas agências de publicidade é muito diferente quando comparado aos times de grandes empresas e startups de serviços. E o cenário não é bom. Em agências, é comum que a área de UXD tenha um escopo de atuação restrito a criar interfaces a partir do briefing do cliente: um modelo carinhosamente apelidado de pastelaria. O cliente chega com um pedido - geralmente uma ideia de solução - e a agência deve desenhar aquilo que o cliente imaginou, fazendo ajustes até que a interface fique do agrado de executivos e C-levels. Depois de tudo aprovado, outra empresa - geralmente uma produtora ou software house - se vira para implementar tudo aquilo que foi concebido pela mente criativa dos clientes e traduzida em design de interface por especialistas em UI. E como a agência sabe que a solução entregue foi um sucesso? Resposta curta: não sabe. Resposta longa: bom… não tem. Talvez a próxima frase desta sentença machuque os mais sensíveis, mas sinto muito informar: este formato de trabalho não faz o menor sentido e está fadado ao fracasso.
É urgente que as agências criem modelos de trabalho que realmente levem em conta a experiência do usuário final - e não só a do cliente que recebeu as telas para aprovação. Afinal, por que desperdiçar pixels e linhas de código com projetos cuja medida de sucesso é o sorriso dos C-level? Chegou a hora - arrisco dizer que até já passou da hora - de deixar de fazer projetos cujo objetivo final é a entrega de um pacote de telas. Precisamos passar a trabalhar de maneira que o desenho da interface (e todo o conteúdo que a preenche) não seja o fim, mas sim o meio de atingir objetivos de negócio e, ainda mais importante do que isso, de impactar positivamente a vida das pessoas, em menor ou maior escala.
No meu time atual, criamos uma metodologia de trabalho que muda as regras do jogo. User Experience Design deixa de ser uma equipe que faz projetos cujo objetivo é exclusivamente desenhar uma interface bonita e passa a trabalhar com produtos digitais que fazem parte da vida das pessoas - entendendo que eles são evolutivos e que todas (ou pelo menos a maior parte) das funcionalidades devem movimentar ponteiros de negócio. A parte mais legal da forma como organizamos nossa forma de trabalhar é que nossos métodos podem ser aplicados independentemente da complexidade do problema e do segmento da empresa, o que torna o processo mais científico, maduro e colaborativo.
Na prática, o radar que demonstra se o time está fazendo "só interface" ou de fato um produto digital é a combinação entre a presença dos usuários no processo e a frequência no acompanhamento dos números de negócio: quando há validação de hipóteses com usuários reais, pesquisas constantes e análises de fluxo no Google Analytics e Hotjar, tudo indica que o time está no caminho certo de construção e evolução de um produto digital.
Product Design é o processo de identificar uma oportunidade de negócio, definir claramente o problema que deve ser resolvido, desenvolver uma solução adequada para esse problema e validar a solução com usuários reais.
A abordagem tradicional para a criação de soluções parte de um método que podemos chamar de Business Thinking: os stakeholders - geralmente pessoas que ocupam cargos mais altos na hierarquia de uma companhia - decidem criar uma solução e um time é escolhido para executá-la, até sua implementação final. No extremo oposto desta abordagem existe o Design Thinking, que consiste em um método de resolução de problemas centrado no ser humano. Isso significa que em todas as fases do processo usuários reais serão consultados e pouco importará a opinião ou gosto pessoal dos criadores, já que o objetivo do time é criar uma solução que de fato resolva o problema de um grupo de pessoas.
Portanto, conhecer a fundo o contexto dos problemas em que iremos atuar é premissa para as atividades de Product Design. Para isso, é necessário compreender o modelo de negócio e as métricas de sucesso do produto, garantindo que há uma visão clara do negócio e das expectativas dos stakeholders. Da mesma forma, é essencial compreender com riqueza de detalhes o contexto dos usuários diante da jornada produto, identificando o que causa dificuldades no processo. Para conseguir ter o domínio de todas essas informações precisamos começar pelo óbvio: fazendo pesquisas. Existe um sem-número de métodos para pesquisas com usuários, mas em nossa experiência algumas delas têm se mostrado mais efetivas. Quando precisamos de informações quantificadas, ou seja, entender como em geral grandes grupos de usuários se comportam, utilizamos as técnicas de mapa de calor, testes A/B e análise de funil. Complementando a visão quantitativa, utilizamos métodos qualitativos que nos ajudam a nos aproximar dos usuários: questionários online, entrevistas, shadowing e netnografia. Entendemos, portanto, que com essas técnicas conseguimos cobrir boa parte das descobertas comportamentais (o que as pessoas fazem) e atitudinais (o que as pessoas dizem).
Não existe unicórnio. Antecipo essa declaração para acalmar quem chegou até aqui e agora está pensando "ferrou, preciso estudar um milhão de coisas, vai ser impossível, WTF, vou largar tudo e viver do que a natureza dá". O Product Designer precisa, sim, ter habilidades que abrangem diversos aspectos do guarda-chuva de User Experience Design, mas ele não precisa ser especialista em tudo. Ufa!
De maneira resumida, o Product Designer é um profissional que precisa trafegar com naturalidade entre atividades relacionadas a User Research e Design de Interface. Se imaginarmos uma régua em que essas áreas de conhecimento ocupam extremos opostos, considero que o Product Designer está quase no meio, alguns centímetros mais próximo de Design de Interface. Ou seja, é necessário ter uma boa execução de UI e jogo de cintura para planejar um teste de usabilidade e validar aquilo que foi desenhado. Assim, entendo que especialistas em Pesquisa, Interface e Texto sempre vão existir e sempre serão necessários, a depender da maturidade do produto.
Minha principal dica para qualquer designer: além de treinar técnicas para design de interfaces e mergulhar em referências de boas execuções de UI, estude sobre processos de metodologia ágil em times de produto e métodos de pesquisa e validação com usuários. Refinamentos de interface, criação de Design System, aplicação de motion pra UI, guias de identidade visual e tom de voz são entregáveis que só fazem sentido quando o core do produto já está muito maduro e os principais problemas já foram muito bem resolvidos.
Há 10 anos aprendendo a usar o design como ferramenta.