Muito se fala sobre a importância de um olhar global sobre vários dos problemas endereçados ao campo do design, especialmente aqueles qualificados como “complexos”. Um tipo de problema denominado por Horst Rittel, pesquisador em teoria do design entre os anos de 1963 e 1990, como “wicked problems” que, em livre tradução, são problemas que não possuem uma definição completa e que, portanto, são difíceis de descrever, enquadrar e resolver, isto porque costumam ocorrer em vários níveis e não apontam para um ponto de conclusão claro. São problemas que podem ser sintomas de outros ainda maiores.
Lidar com esse tipo de problema sempre foi para mim um dos desafios mais interessantes em design e assim, busquei conhecê-los melhor, entender como outros designers lidam com eles, como outros campos estavam enfrentando desafios dessa natureza e, por fim, como aplicar as descobertas no dia a dia do trabalho, uma vez que de um modo ou de outro, mesmo que não sejam encontradas soluções completas, a busca de respostas sempre será a melhor alternativa.
Entre os desafios postos ao designer, acredito que o primeiro é o de entender como se configuram os problemas complexos, qual sua estrutura em termos de organização. Por quais lentes podemos observá-los e defini-los como sendo ou não complexos? Nesta esteira, cabe anteriormente estabelecer o sentido de complexo, que não está relacionado exatamente ao que é complicado, mas sim, ao que se explica pela interligação de elementos que atuam por processos de interdependência e que demandam por uma observação não fragmentada, mas sim, global. O complexo surge de elementos em relação, por este motivo, é tão difícil de entender sua causa e seus desdobramentos. Olhar para o todo exige o abandono de uma perspectiva especializada e segmentada.
O segundo desafio é identificar quando um problema é simples, complicado, complexo e quando extrapola qualquer possibilidade de resolução, estando, assim, na esfera do caos. Existem alguns caminhos e cito dois deles, o primeiro vem do físico e cientista sistêmico, Yaneer Bar-Yam, autor do livro Dynamics of Complex Systems (1997). De acordo com ele, sistemas complexos podem ser qualificados como de baixa, média e alta complexidade sendo possível chegar até essa constatação tomando como referência a quantidade de informação utilizada para descrevê-los. Para Bar-Yam, a complexidade de sistemas é uma medida matemática.
Outro caminho também utilizado para se definir a qualidade de um problema é colocá-lo dentro de em um gráfico de relações, conforme apresentado abaixo.
A partir dessa visualização, a complexidade tende a aumentar à medida em que se distância da zona do que se conhece e em relação ao que se domina em termos de tecnologia, processos e ferramentas.
O desconhecido e a falta de domínio sobre como tratar estes problemas são características essenciais de projetos que lidam com o complexo. O desafio está em manter-se no enfrentamento e na busca de descobertas de novos instrumentos de observação e de ação, que possibilite escalonar o design com ações mais prospectivas dentro de um campo de inúmeras incertezas.
O terceiro desafio para pensar em estratégias no âmbito do design é distinguir o que é e o que não é um sistema, visto que uma das principais qualidades da complexidade é que esta surge de uma organização sistêmica. E quando uma parte significativa de tudo que há no mundo se configura como algum tipo de sistema, como algum tipo de organização, torna-se necessário se apropriar do conjunto de instrumentos conceituais disponibilizado pela Teoria Geral de Sistemas e da Complexidade de modo a se capacitar a perceber e compreender o complexo, se não em sua totalidade, ao menos em seus traços elementares de forma e operações, a fim de empreender ações mais efetivas sobre problemas dessa natureza.
Ao se compreender que economia, política, religião, seres vivos, sociedade, cidades, fauna, flora, clima, trânsito, empresas etc. se como se organizam como sistemas não é mais possível uma postura investigativa ou projetual que trabalhe a partir do isolamento de qualquer um desses. As fronteiras, como o que está entre, tornam-se um fundamento necessário para que soluções sejam pensadas e desenvolvidas de forma mais perene e consistente, na medida em que o pensamento sistêmico é capaz de lidar com as dimensões mais aprofundadas dos problemas agora considerados a partir de suas relações. A partir desse entendimento é possível a criação de estratégias para que o design e o designer se reorganizem dentro do que é desconhecido e incerto.
Lições que aprendi com o estudo de sistemas complexos e sua aplicação em projetos de estratégia e inovação:
Em visualizações de relações entre subsistemas se busca mapear facilidades e barreiras ao processo de design dentro da organização. Qualquer planejamento pode fracassar caso não haja uma predisposição de elementos do sistema/empresa a colaborar. Lidar primeiramente com essa condição de ambiente e conhecer com quais relações se pode contar é fundamental.
Quando abordamos problemas complexos a partir de uma visão sistêmica, somos estimulados a investigar e assim identificar, quais elementos devemos mobilizar para colaborar em processo que façam emergir as mudanças desejadas.
Uma estrutura que amplia essa discussão é a de Tim Knoster (2000), ao trazer um modelo para se estruturar a gestão de mudanças em contextos complexos. Segundo Knoster, cinco elementos são necessários para agir nessas circunstâncias: ter visão, habilidades, incentivos, recursos e um plano de ação. Ele complementa dizendo que caso falte um desses elementos durante o processo de gestão da mudança, o fracasso das ações será inevitável. Esse modelo pode ser uma maneira útil para planejar e diagnosticar o que pode ser necessário quando os planos derem errado.
Dos conceitos que fazem parte da definição de sistemas complexos, um demanda ao campo do design uma atenção especial. Trata-se do conceito de Emergência que, de modo geral, define os imprevistos possíveis de surgir das relações dentro do próprio sistema e das relações dele com o seu ambiente.
Ser designer pressupõe ter a capacidade de planejar, controlar, sistematizar e a programar o que virá a seguir, o dia depois de hoje, o mês e ano por vir. Ter o domínio do processo. É assim que muitos se referem a esta que é considerada como uma das principais qualidades desse profissional. A minha reflexão a respeito é: em qual caixinha são colocadas as emergências? Como se lida com o que não estava apontado pelo projeto? Como resposta, ouso dizer: não há compartimento no mundo em que caibam os problemas emergentes. Não há fórmulas ou metodologias previamente elaboradas, porque são únicos.
Por fim, uma reflexão: enquanto pesquisamos ampliamos o entendimento do problema e projetamos, mas sob quais condições o fazemos? De quais conhecimentos dispomos? Quais processos e instrumentos conceituais e metodológicos utilizamos para lidar com os desafios complexos? O que ainda não sabemos e que deveríamos saber?
BAR-YAM, Yanner. Dynamics of complex systems. Massachusetts: Library of Congress, 1997.
_____. Making things work: solving complex problems in a complex world. Cambridge, MA: Knowledge Press. 2005.
BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas:fundamentos, desenvolvimento e aplicações. Petrópolis, RJ: Vozes, 1968.
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CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo, Cultrix, 2006.
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KERCKHOVE, Derrick de. A pele da cultura. Lisboa: Relógio D´Água Editores, 1997.
Doutora em design pela faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, pesquisa sistemas complexos pela perspectiva do design. É Graduada em Tecnologia e Mídias Digitais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -PUC-SP com mestrado em Design, na área de Comunicação e Cognição pelo Centro Universitário Senac. É sócia da empresa de design NAU Interativa - design e inovação, onde atua como Lider de Design.