Antes de iniciarmos nossa jornada de leitura, deixe-me avisar. Esse artigo não tem um caráter técnico sobre gestão de produto. Não vou tratar aqui de métodos ágeis, ferramentas, cases e afins. Antes, ele é muito mais voltado para reflexão sobre comportamento de lideranças (Product Owners e outros Stakeholders); e se baseia em minhas dores experiências como consultor de Design de Serviços no Brasil e em Portugal, em projetos para produtos ou serviços em grandes marcas, com presença no mundo físico ou digital.
Depois que você ler (e se tiver coragem), imprima e deixa esse texto perdido em mesas de lideranças que precisam refletir sobre o assunto “gerenciar times de produto”. Dito isto, vamos aos fatos ;).
Desde a invenção da imprensa, vivemos a era do compartilhamento de informações, que só faz crescer. Igreja e aristocracia, desde a alta idade média, temiam que as classes mais baixas tivessem acesso facilitado à informação, pois sabiam que isso poderia fazê-las ter consciência assim de sua “condição social”. Quando os livros tornaram-se mais difundidos, o poder começou a ser descentralizado e eis o mundo em que vivemos :).
Em outras palavras, foi na era medieval que começamos mais claramente a entender que exercer liderança sem gerar conflitos seria um verdadeiro dom. Isso tem um porquê: o sucesso de monarca vinha necessariamente de sua habilidade de gerar a inovação, sem perder o controle sobre o acesso à informação. Os inábeis, por sua vez, tiveram muitos atritos, dores (no pescoço), discussões e afins. Pois, esses atritos foram muitos (basta abrir um livro de História); e continuam presentes desde a idade média, pois passamos da distribuição de informação por livros à internet das coisas, onde dados não faltam para sabermos o que, quando e onde uma pessoa ou marca deixou uma experiência positiva ou negativa.
Porém, saber nem sempre é bom para alguns Reis, ou melhor, Stakeholders (CEOs e Diretores) e/ou Product Owners (PO), pois provoca medo ou ira ao receber uma crítica, por exemplo, de um usuário. Esse dilema ainda persiste: ser ou não aberto ao novo quando o assunto é a gestão de produto? Para aprofundarmos o tema e chegarmos ao ponto final dessa reflexão, basta trocar a palavra rei por “PO ou Stakeholder” ao ler as frases abaixo. Você vai entender perfeitamente como a natureza da inovação é constantemente contraditória para muitos gestores de produto.
Um Rei com pensamento arrojado, inovador, que concede direitos, poderia perder o trono a longo prazo conforme seus governados (time de produto) passassem a reivindicar mais liberdade ou vontade de fazer algo ‘por conta própria” sem pedir orientação prévia na investigação sobre novas formas de fazer e pensar;
Já um Absolutista (lembre-se de Luis XVI e Maria Antonieta) nos provou que o destino de quem não compartilha da opinião, experiência e responsabilidade com seus pares pode vir a perder a cabeça em praça pública.
Muitas empresas passam pelo mesmo dilema hoje por conta de ainda terem estruturas clássicas de comando, criadas ainda na era industrial pós-guerra, com hierarquias centralizadoras. Quem nunca trabalhou em empresas assim, que gastam dinheiro em ambientes com mesas de Ping-Pong e paredes coloridas, mas que os stakeholders ainda estão com medo de descer do trono. São empresas pressionadas pelo mercado, que tiveram que fazer um movimento em busca da “inovação aparente”, mas que em sua essência continuam com os mesmos comportamentos do passado. Empresas nas quais a liderança quer fazer micro-gerenciamento, onde há como desculpa o elevado custo de comunicação para que somente algumas informações possam transitar - em silos - de cima para baixo.
Olha, era fácil gerenciar produto assim na década de 80 ou 90, mas dois acontecimentos pressionam esse modelo nesse exato momento. Anote aí! Essa é para você deixar anotado num post it na mesa do “PO de natureza contraditória”:
A medida do sucesso de empresas ou das Startups unicórnio, com seus produtos disruptivos, passa por ter menos controle e mais abertura para a co-criação com o consumidor e time de produto;
E mais, a tendência é que as marcas ofereceram serviços no lugar de produtos (basta olhar a tela do seu celular). Isso pede flexibilidade total de lideranças quanto ao modelo de gestão, com mais atenção por soft e hard skills para que seus times consigam evoluir e gerar o sucesso do cliente.
Seja confiante e humilde o suficiente para abrir mão da necessidade de estar no controle o tempo todo. Ao mesmo tempo, inspire em cada pessoa o compromisso de alcançar objetivos comuns (do time de produto, dos clientes, dos parceiros e formadores de opinião). Esse deve ser o verdadeiro papel do Product Owner na gestão com foco na inovação em uma empresa Customer Centric.
Respeitar o fato que agora clientes têm o poder; e o time tem que ter autonomia. Um PO ou stakeholder sem essa mentalidade não conseguirá dialogar e ter fit com o mercado e o consumidor.
Deixar de “comunicar” e passar a “compartilhar experiências” para criar confiança no time;
O sucesso na gestão do produto vem quando conseguir cumprir o que promete. E isso passa pelos pontos escritos anteriormente. Ser o que se diz no desenvolvimento do produto e não apenas o que fala em posts bonitos do Facebook;
Alimentar a curiosidade e humildade do time de produto. Não adianta apenas compartilhar o que interessa (achismos). É preciso ser curioso (levantar da cadeira e ir à rua, falar com o usuário), usar das melhores práticas de UX Research, falar de outros assuntos que não apenas a marca (umbigo). Ser um PO curioso, que incentiva o seu time a fazer o mesmo, leva à humildade. Isso porque podemos admitir que estamos errados ao descobrir o que o cliente pensa, sente e faz ao usar o produto.
Um bom PO deve saber lidar com o novo ambiente de negócios no qual seu cliente está presente: se o serviço ou produto tem problemas, temos que resolver. Mas isso não parte de gostos pessoais. Deixe o time exercer seu papel de exploração junto ao usuário;
Perdoar os fracassos do time faz parte do dia a dia. Não existe o certo ou errado quando o PO promove no time um trabalho pautado em pesquisa e estudos de mercado. O resultado dessa mudança de postura é o perdão. Um produto não está 100% o tempo todo. Essa é a beleza intrínseca à gestão: evoluir sempre.
No mais, desejo boa sorte em sua jornada de desenvolvimento de produto. E que você saiba lidar com a “natureza contraditória” quando ela aparecer na sua empresa. Faz parte! Nos vemos por ai!
Hélio Basso é formado em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com MBA em E-commerce pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-RJ) e em Gestão Estratégia de Negócios pela Faculdade de Informática Paulista (FIAP-SP), além de especialização em Planeamento para Branding pela ESPM-RJ e Gerência de E-commerce pela Internet Innovation. Já atuou em projetos de Customer Experience Design (CXD) e Service Design (SD) para marcas como Hotel Urbano, Pontofrio, Casas Bahia, Extra, Americanas, Shoptime, Submarino, Wise Up, Peixe Urbano, Ricardo Eletro, CNA, Red Nose, Embelleze, American Airlines, entre outras.