Nós temos muita sorte na vida, se você está lendo esse texto é porque provavelmente teve a chance de poder escolher a sua profissão, e pelo fato de fazer o que gosta, fica muito mais fácil passar horas e horas consumindo conteúdo relacionado a essa disciplina que tanto amamos, entramos em um ciclo de conteúdo que as vezes pode ser negativo, por exemplo, essa polarização na política. Mas o fato de você ler e ver e escutar conteúdo sobre design, vai fazer com que suas hipóteses sejam (quase) sempre validadas, artigos que pregam o lugar do designer na mesa de decisões - uhuuu… é isso aí, design liderando decisões… - ou que enaltecem o papel do design como um diferenciador que “finalmente” as empresas se deram conta de explorar, ou o famoso artigo que mostra o retorno financeiro que as empresas que investem em design tem em relação as outras, enfim, o vento sopra a favor, estamos aliviados que o mercado está faminto por design, que bom.
O tempo passa, e seu foco dentro do design vai mudando de acordo com a sua carreira, e questões um pouco mais amplas começam aparecer. Nas conversas que tenho por aí é fácil notar uma espécie de mal estar geral, e não estou me referindo a discussões sobre Figma vs Sketch ou design sprints, mas quanto o design é realmente protagonista e responsável pelo sucesso de um produto ou serviço, ou quanto tempo você deveria investir em estratégia a longo termo ao invés de pensar na execução de pequenas tarefas imediatas. Vejo muita relação com aquelas histórias de pessoas que foram até o fundo do poço para retornar com um significado maior da vida, passamos de conversas sobre as diferenças entre UX e UI para conversas mais elaboradas, por exemplo, de como balancear o poder de decisão entre produto, design e tecnologia.
Quem ainda não leu o artigo do John Maeda - Design não é tão importante quanto imaginamos - e os reports da Mckinsey e da Invision? Por favor tente ler, são documentos importantes para entender a nossa profissão hoje. E também, alimentos para a confusão criada na minha cabeça :), confusão essa que continua sendo alimentada por discussões cada vez mais constantes que vejo por aí. Ou seja, de um lado pessoas, veteranos da nossa disciplina questionando nossas responsabilidades e do outro documentos vendendo design como a solução para todos os problemas, é importante lembrar porém, que essas empresas vendem design, ou seja, é claro que vão colocar a nossa prática em um pedestal, será então que chegamos em um ponto de reset geral? Temos que matar o Design como conhecemos e criar um novo que nos ajude a evoluir? Me coloco as seguintes questões:
Toda empresa precisar faturar, se você designer não levar em conta o modelo de negócio você faz um “desserviço” a nossa categoria, pelo simples fato de não mostrar valor, não justificar seu custo. As missões das empresas e seus times são sempre lindas e perfeitas, mas somente amor não coloca comida na mesa. Será que somos tão inocentes de acreditar que o banco X quer realmente dar uma experiência única para seus correntistas? Que a rede social quer conectar vc com seus amigos ao redor do mundo? Que a app de pedido de comida quer deixar sua vida mais fácil? Já pensamos no real impacto dos produtos que trabalhamos? Não, porque no fundo estamos somente fazendo nosso trabalho, assim como tantas outras pessoas em diferentes setores, e sinceramente eu acho que não tem nada de errado nisso. Seria então mais ético, se parássemos de vender a imagem de paladinos em defesa do usuário, e simplesmente entendêssemos melhor as engrenagens da indústria que você trabalha e fazer o melhor dentro das suas capacidades?
Faz tempinho que fico me perguntando isso, não consigo ver valor em investir tempo e dinheiro para criar páginas e mais páginas sobre processos, missão do time, documentos sobre sistemas, onde vamos, quem somos, onde estamos… aliens existem? Design system... tudo isso para um time de 4, 5 designers trabalhando em um MVP que ainda nem foi validado no mercado? O problema não é documentar, mas acredito que deveríamos nos preocupar mais em mostrar o impacto do design, começando por pequenos pontos que podem ser melhorados, funcionalidades/telas que devolvam um retorno quase que instantâneo e a partir daí sim, quando a empresa entender o papel do design na prática e seu time começar a crescer, você começa a aplicar essas lições e processos em níveis mais brandos.
O processo de design precisou se adaptar a era do MVP, o modelo usado em agências onde você pegava o briefing com o cliente, e voltava dois meses depois com a solução acabou, muitas empresas estão sofrendo para se adaptar a essa nova realidade. Mas voltando a questão, esse mesmo modelo que premia a velocidade, a evolução constante ao invés do “perfeito” acabou perdoando o fato de copiar ou simplesmente duplicar casos de sucesso, que quase sempre são medidos pelo retorno financeiro, ou seja, não arrisque, não crie, mas copie aquilo que funciona, custa menos e dá retorno, o podcast Wireframe da Adobe falou sobre isso recentemente. Pergunte-se, você realmente está usando um padrão de navegação por ser familiar ao usuário ou no fundo o que interessa é a conversão=retorno financeiro? Parabéns pra você que consegue achar o meio termo e convencer seus stakeholders que aquilo que funciona para a Amazon, não necessariamente vai funcionar no seu produto.
Qualquer porcaria que seja publicada hoje vai receber elogios de todas as partes porque nos sentimos bem em dar feedback positivo, fazer com que as pessoas se sintam apoiadas, admiradas por terem “pelo menos tentado”… vemos marcas grandes soltando re-designs questionáveis, o mais recente foi o do Figma, que na minha opinião é assustador de tão mal feito que é aquilo, mas… a reação da comunidade é sempre homogênea, tudo é lindo e maravilhoso, não existe mais uma regra de estética, somos todos designers então qualquer coisa vale. Tínhamos um nível mínimo de estruturas visuais, ser diferente, tentar explorar uma nova linguagem não é a mesma coisa que soltar qualquer layout no ar e ver a comunidade de designers sendo auto-complacentes com high-fives recíprocos, como disse o John Maeda sem seu artigo.
Nós designers, por natureza temos um senso crítico muito grande, somos bons em aplicar isso em processos, regras, etc… visando sempre melhorar as coisas, mas somos extremamente defensivos quando discutimos o valor do que fazemos, sempre com respostas prontas pra tudo. Eu ainda acredito que design é importante sim, mas aquilo que antes era uma opinião blindada e pronta a ser defendida a ferro e fogo, começou a mostrar rachaduras. Já matei o velho Design na minha cabeça e estou tentando entender o novo Design, mas ainda tenho mais perguntas do que respostas, e sou consciente que essa discussão é maior do que eu, faz parte da maturidade da nossa profissão e sou feliz por fazer parte disso, longa vida ao Design!
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Podcast ExPatria - www.expatria.co
The Design Edition Newsletter - thedesignedition.substack.com
Sou Curitibano, formado em Desenho Industrial pela PUC-PR, me mudei para a Itália assim que terminei a faculdade, trabalhei em agências, editoras e estúdios de design até cair no mundo do design digital por volta do ano 2000. Desde então, já tive meu próprio estúdio e desde 2013 moro em NY onde tive a oportunidade de trabalhar para a ONU, para a Viacom (MTV, Nickelodeon, Comedy Central, Paramount entre outras marcas) e hoje estou na Axios. Em paralelo publico o ExPatria, podcast onde entrevisto designers brasileiros pelo mundo e escrevo breves textos na minha newsletter The Design Edition.