“Alexa”, “OK, Google”, “Ei, Cortana”, “E aí, Siri”
Algumas dessas expressões já são conhecidas por muitos brasileiros para ativar os assistentes de voz, mesmo que muitas vezes o uso seja apenas de forma lúdica, como pedir para a Siri contar uma piada ou fazer um beatbox. No entanto, a tendência é que em 2020 ainda mais pessoas passem a fazer pesquisas sem usar as mãos - e talvez até de maneira menos descontraída e com mais utilidade.
O estudo "Latin America Finds its Voice", realizado pela empresa de marketing digital iProspect, com base em 4 mil entrevistas com latino-americanos, mostrou que 49% dos brasileiros já fazem pesquisas usando a fala. A maioria, é claro, prefere fazer buscas por voz pela agilidade: 86% dos entrevistados disseram ser esse o principal motivo para a utilização. Isso é muito compreensível, já que a voz é a principal forma de comunicação do ser humano, portanto é natural que nós achemos mais fácil interagir dessa forma - mesmo que com máquinas.
Aliás, esse número deve crescer no ano que vem e um dos motivos que podem elevá-los é o lançamento dos dispositivos Amazon Echo no país, com a Alexa falando português e com alguns skills bem úteis. Por exemplo, mais do que pedir à assistente para fazer pesquisas sobre o clima ou cotação de moedas, é possível solicitar um carro da Uber, fazer um pedido no iFood ou mesmo saber as notícias do seu time pelo GloboEsporte.com, tudo apenas com o uso da voz.
No entanto, por mais que as pesquisas mostrem que os brasileiros usam cada vez menos as mãos para fazer buscas na internet, acredito que 2020 ainda não será o ano em que os assistentes pessoais de voz irão se consolidar no Brasil. Há um abismo social e cultural imenso em nosso país e uma parcela restrita da população pode adquirir dispositivos que, em sua forma mais simples, custam em torno de 1/3 do salário mínimo.
Apesar disso, 70% dos brasileiros têm acesso à internet, mesmo que boa parte da populaç seja analfabeta: e é aí que as pesquisas por voz entram. Pessoas que não dominam a escrita e as ferramentas digitais, mas que são oralizadas, podem ser beneficiadas pelo simples fato de que sabem falar e isso basta.
Mas, para que isso aconteça de forma fluida e com erros minimizados, os designers de voz ou quem deseja se aventurar nessa área precisam ter em mente alguns pontos:
Designer que é designer precisa pensar na pluralidade de sua solução, e talvez o leque de possibilidades seja ainda maior quando se trata da voz. É necessário lembrar que ninguém fala igual a ninguém: as pessoas podem falar de forma muito rápida ou mais pausadamente, podem ter gagueira, "língua presa", usar regionalismos ou que até mesmo estar em algum lugar em que o ruído externo pode atrapalhar o entendimento do assistente. Tudo isso precisa ser pensado para que não haja situações como já vimos em outros países, como a mulher escocesa que pedia uma música a uma assistente e ela não a compreendia, mas entendeu após a usuária imitar o sotaque americano. Esse tipo de situação exclui, gera falta de identificação e pode colocar em xeque a capacidade da solução.
OK, o usuário sabe que está falando com um robô, mas ele não precisa falar como se estivesse lendo. A fala é diferente do texto escrito, e isso precisa ser pensado pelos designers em todas as suas nuances. É claro que quando o assistente vai ler um texto da internet em uma pesquisa ele lerá da forma que está escrito. No entanto, se o assistente estiver apenas interagindo com alguém que está fazendo um pedido, a forma de falar deveria ser semelhante a de um atendente humano, porque é assim que nos comunicamos. Dessa forma, é possível criar robôs que passem confiança e criem uma conexão com os usuários. Nós, seres humanos, agimos de formas diferentes nas mais diversas situações, e os robôs também deveriam.
Eu sei, quando pensamos em assistentes de voz, normalmente não nos vem à cabeça as Unidades de Resposta Audíveis, as chamadas URAs de atendimento. Quando ligamos para falar sobre um serviço ou fazer uma solicitação, normalmente o que mais queremos é passar pelo "robô” que nos atende e falar logo com um ser humano. Mas as URAs podem ser muito úteis e resolver diversos assuntos sem que seja necessário conversar com uma pessoa. Existem URAs em que o usuário precisa efetivamente falar o que precisa ao telefone, sem digitar botões, e o primeiro ponto mencionado é muito importante nesse cenário. As URAs também são robôs, não se engane: desenhar uma URA que entende o que o usuário fala é tão importante quanto desenhar um assistente pessoal de voz que pode pedir uma pizza para ele. Todas as casas terão um dispositivo como o Amazon Echo em 2020? Provavelmente não. Porém, quantas delas terão que ligar para uma central de atendimento e interagir com uma URA ao menos uma vez no ano? Não minimize o canal, foque na solução.
Mesmo pensando em tudo isso, o melhor designer de voz não consegue fazer nada se não houver integrações e APIs para que os assistentes sejam realmente úteis, e não utilizados somente em momentos de distração.
Também é necessário que as empresas de tecnologia e de serviços foquem na expansão desse mercado e pensem no uso da voz para a automação: em países onde os assistentes já estão um pouco mais consolidados entre a classe média, como os Estados Unidos, por exemplo, há skills de integração com o carro e com a casa. Lá, é possível que o assistente diga que o combustível está em um nível baixo e sugira o posto mais próximo para abastecimento, ou que o usuário solicite que o assistente ligue as luzes e o ar condicionado da casa enquanto está a caminho.
Isso vai acontecer no Brasil em 2020? Talvez entre as pessoas com maior poder aquisitivo que adquiram eletrodomésticos e eletrônicos inteligentes com ativação por voz. Por aqui, além de fazer pesquisas por voz, a classe média deve apenas poder fazer compras de produtos específicos e solicitar carros em aplicativos de motorista particular, mas não mais do que isso.
No entanto, a tendência é que as pesquisas por voz cresçam cada vez mais e possam auxiliar analfabetos e pessoas com algum tipo de deficiência motora ou visual. O futuro é promissor - por isso a necessidade de pensar na pluralidade ao desenhar algo que vai servir pessoas. As mais diversas pessoas.
Por mais que em 2020 não tenhamos casas dignas de ficção científica, que tenhamos robôs mais plurais e naturais, capazes de entender e ajudar quem mais precisa deles.
UX Designer, jornalista e pós-graduada em Arquitetura de Informação e Usabilidade.