O Design sob a visão de um designer preto
Se me perguntarem do que o Design precisa para se tornar ainda mais relevante para sociedade a minha resposta sempre será a diversidade. Está mais do que comprovado que as empresas com equipes diversificadas têm o melhor desempenho do mercado comparado aos seus concorrentes menos diversos. A diversidade aumenta o nosso campo de visão. Somos forçados a olhar para os diferentes contextos sociais e construir um repertório multíplice que seja capaz de dialogar com a maioria das pessoas seja de forma generalista ou individualista. É um aprendizado.
Apesar de não ser uma novidade, é possível identificar que nossa comunidade ainda caminha de forma lenta para um cenário menos hegemônico e mais equitativo. Segundo o Panorama de UX de 2019 com foco em Diversidade por Carolina Leslie, o design ainda é predominantemente masculino, branco e hétero. Em uma sociedade onde negros e pardos representam 54% da população brasileira, este número cai para 23% enquanto brancos representam 70% dos profissionais de design.
Quando olhamos para a divisão entre raças, identificamos algo que pode ser facilmente observável em eventos da área — e no mercado de tecnologia como um todo. A distribuição entre raças em UX não representa a divisão da população brasileira pelo IBGE. — Leslie
Além de dar mais oportunidade no mercado para diferentes perfis de profissionais, a importância em construir uma comunidade rica em diferenças está inerentemente ligada a forma como projetamos. Durante o Festival de Inovação da Fast Company em 2018, Ian Spalter — Head de Design no Instagram — conta que “quando você está acostumado a ser o ‘outro’ (enquanto profissional negro), fica mais fácil pensar nos outros”. Ele também diz que descobrir novas soluções desenhadas por pessoas de diferentes etnias e culturas é muito inspirador. Com isso, podemos identificar dois conceitos básicos nas falas de Ian que trazem luz para este tema: inclusão e descolonização.
Inclusão é trazer para a mesa e fazer com que as pessoas se envolvam num diálogo sobre o que e para quem estamos construindo. Descolonização é mudar a forma como pensamos
deixando de lado nossos conceitos pré-estabelecidos pela cultura hegemônica, abrindo espaço para novas narrativas.
O eurocentrismo é uma visão de mundo que tende a colocar a Europa (assim como sua cultura, seu povo, suas línguas, etc.) como o elemento fundamental na constituição da sociedade moderna, sendo necessariamente a protagonista da história do homem. Resumidamente, trata-se da ideia de que a Europa é o centro da cultura do mundo. — Wikipedia
O design do século XXI é fortemente influenciado por uma cultura eurocêntrica. Desde os conceitos modernistas da arquitetura aos estilos tipográficos suíços, a influência européia e também norte-americana continua sendo o principal padrão pelo o qual o “bom” design é medido e isso é um problema. Por que não ouvimos falar sobre a linguagem nas formas e cores dos tecidos Kente de Gana, por exemplo? Ou sobre os conceitos utilitaristas na arte indígena brasileira Marajoara? Articulamos pouco sobre as diferentes formas de expressões presentes no mundo.
“Vejo paralelos distintos entre minha transformação em designer gráfico e minha formação de identidade cultural, seja racial ou religiosa” diz Anne Berry, que é professora de Designer Gráfico na Universidade Estadual de Cleveland (Estados Unidos). Para a ela, é essencial que nos comunidade considere o repertório cultural de cada indivíduo. Mas enquanto embranquecido e excludente, o design segue sendo um espaço de aculturação, onde nossa identidade profissional é construída sob a perspectiva de um padrão no qual muito de nós não nos identificamos de fato.
Em 1920, surge um movimento chamado “O Renascimento do Harlem” em Manhattan (Nova York, EUA) como principal resposta da população negra ao sentimento de não pertencimento e exclusão causado pelo preconceito e segregação racial no país. Com o objetivo de construir uma nova narrativa artística baseada nas influências africanas e no orgulho racial, o Renascimento do Harlem se torna o principal berço da Jazz e outras expressões que nos influenciam até os dias de hoje. Na mesma época, aqui no Brasil, surge o movimento artístico intitulado “Antropofágico” no modernismo brasileiro como principal crítica a centralização da cultura norte-americana e da europeia. Para Oswald de Andrade, principal nome do movimento, “não se deve negar a cultura estrangeira, mas ela não deve ser imitada”.
Apesar dos diferentes contextos, o Renascimento do Harlem e o Movimento Antropofágico Brasileiro parecem denunciar a mesma supervalorização de uma única cultura externa e a necessidade de diferentes narrativas. Após 100 anos, podemos identificar que o design permanece estagnado nos conceitos que perpetuam a mensagem de que nossa comunidade não é culturalmente inclusiva e diversa
O padrão que você comunica é o padrão que você aceita — Maurice Cherry
É muito importante que entendamos como a hegemonia no design afeta a forma que enxergamos a sociedade e como estamos construindo nossa identidade profissional. Queremos garantir que a comunidade seja mais diversa? Queremos tomar mais ações inclusivas? Queremos fazer do design um espaço equitativo? Estamos edificando um local onde as diferentes vozes podem ser ouvidas? Precisamos preparar o terreno.
Comecemos pelo exercício de encarar e aceitar a pluralidade cultural em suas diferentes formas através dos nossos alunos e profissionais, e questionemos nossos padrões impostos para que nossos vieses colonizadores não se perpetuem dentro do design.
Carioca, 26 anos, autodidata, Designer de Produto na C6 Bank e colaborador no DDNBR (Design Digital para Negrxs). Atuo há 8 anos no mercado, transitei por diferentes áreas do Design Gráfico e atualmente sou apaixonado por UX Design e ativismo negro.