Durante o processo de desenvolvimento de algo novo, sempre tentamos resolver algum tipo de problema. Normalmente esses problemas estão relacionados diretamente com os contextos ao nosso redor. “Não quero comprar um carro, mas não quero usar um transporte público” ou “Estou com fome, mas não tenho tempo ou disposição para cozinhar algo”. Sempre existe algo para melhorar na nossa rotina. Mas e para as pessoas que não tem quem crie algo para elas? Ou e as pessoas que são esquecidas na sociedade?
Existe uma questão sobre acessibilidade que observo há algum tempo. A não ser que você tenha uma deficiência ou tenha passado por uma necessidade temporária de falta de acesso, existe uma probabilidade de você não vai ligar para acessibilidade. Dependendo das situações do seu dia-a-dia e do nível de acessibilidade que você necessita em um determinado momento, você provavelmente não vai associar isso a acessibilidade. Como quando você está com pouca bateria, na rua com dificuldade para enxergar algo na sua tela por conta da falta de contraste do aplicativo.
Isso não acontece sempre, é claro. Existem pessoas que se preocupam com o próximo de diferentes maneiras. Esse nível de preocupação que diferencia os sentimentos de pena, simpatia e empatia, como descrito no artigo do Grupo Nielsen [1]. Quando uma pessoa não entende o que as outras pessoas passam, sendo as situações diferentes da sua, normalmente existe o sentimento de pena. Você não sabe muito bem o que fazer, mas você pode pensar que é importante ajudar as outras pessoas. Aí está o problema! Quando existe esse tipo de pensamento, você se coloca como superior às outras pessoas, como se fosse um favor desenvolver algo para resolver o problema delas.
Quando evoluímos o tipo de pensamento para simpatia, nós chegamos à entender o que acontece com o outro. Você como pessoa do desenvolvimento pode tentar resolver as barreiras de acessibilidade que outra pessoa passa. Mas existe uma distância do problema, como se você nunca fosse passar por uma situação parecida.
Porém, não existe favores relacionados à acessibilidade e a LBI (Lei de brasileira de inclusão - LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015) garante isso para todos os cidadãos [2]. Todo o conjunto da lei garante o direito de acesso para qualquer e todas as pessoas. E o Capítulo 2 da lei garante a não discriminação de ninguém. O Guia sobre a LBI mostra que as leis servem como ferramenta para mudar o ambiente e serviços para ser usufruído por todos. Por conta disso, a acessibilidade não deveria ser vista como algo imposto pela legislação, mas sim como algo básico e de direito para qualquer pessoa da sociedade.
Eu vejo a simpatia como um primeiro passo para nos preocuparmos de verdade com acessibilidade. Porque criamos algo que vai além de resolver os problemas que as pessoas enfrentam no cotidiano. Podemos criar algo que realmente vai melhorar a vida de diferentes tipos de pessoas. A partir daí começamos a nos tornar as pessoas que defendem e vão atrás não apenas da acessibilidade, mas da diversidade como um todo.
Dentre as várias definições para acessibilidade uma das minhas preferidas é a da W3C que diz que “acessibilidade na web é a possibilidade e a condição de alcance, percepção, entendimento e interação para a utilização, a participação e a contribuição, em igualdade de oportunidades, com segurança e autonomia, em sítios e serviços disponíveis na web, por qualquer indivíduo, independentemente de sua capacidade motora, visual, auditiva, intelectual, cultural ou social, a qualquer momento, em qualquer local e em qualquer ambiente físico ou computacional e a partir de qualquer dispositivo de acesso.”[3]. Ou seja, acessibilidade não é limitada a uma parte da população ou para ser utilizada em uma parte das tecnologias. Acessibilidade é voltada para todas as pessoas, em qualquer condição física, qualquer ambiente, sem limitações de conhecimentos.
Contudo, não podemos afirmar que existe uma acessibilidade padrão para todas as pessoas. Existem diversos tipos de minorias que estão em escala diferentes de inclusão e exclusão na sociedade, na imagem abaixo temos uma representação desses níveis.
No primeiro desenho temos um exemplo de exclusão, com um grupo no centro de um círculo e diferentes grupos circundando o grupo central. Se compararmos com os níveis apresentados no artigo do Grupo Nielsen, a exclusão seria o momento que as pessoas ignoram a diversidade e suas necessidades dos grupos minoritários à sua volta. Como quando as pessoas desenvolvedoras criam sites e aplicativos sem acessibilidade. Ou quando utilizamos apenas o gênero masculino para a divulgação de vagas de emprego.
O segundo desenho representa a segregação que encontramos na sociedade, onde os diversos grupos excluídos anteriormente que estavam separados, ficam juntos. Eles se ajudam mutuamente, mas ainda sem aproveitar das oportunidades existentes do grupo central, ficando excluídos e separados desse grupo. A segregação representaria a pena, que pelas minorias estarem unidas elas ficam mais perceptíveis para o grupo central da sociedade. Como quando uma pessoa com mais idade e baixa agilidade atravessando a rua, o trânsito impaciente com um trânsito ou pedestre impacientes a sua volta.
O terceiro desenho representa a integração dos grupos das minorias com o grupo central, adicionando-as na área central. Agora, as minorias participam parcialmente dos ambientes do grupo central, mas ainda continuam à margem da sociedade. Nesse exemplo, a integração representaria a simpatia, pois toda a sociedade consegue perceber as dificuldades que as minorias passam. Porém, ainda existem uma barreira que mantém as minorias separadas, sendo consultadas e entrevistadas sobre o que precisam apenas quando existe uma necessidade ou quando as pessoas do grupo central são obrigadas. Como quando você cria uma vaga de emprego com linguagem neutra, mas na empresa não existe um banheiro sem gênero. Ou quando você precisa aplicar acessibilidade no site, mas foca apenas em uma deficiência e não em todas as existentes.
O último grupo representa a inclusão de todas as pessoas, sem as barreiras citadas anteriormente. Nesse grupo as pessoas interagem entre elas e existe uma preocupação para que a convivência seja a melhor para todos. A inclusão representaria a empatia, na qual todos se preocupam e trabalham para que seja desenvolvido o melhor site ou aplicativo para todos. É nesse ponto que temos que trabalhar para que todas as minorias cheguem. De tempos em tempos trabalhamos com diferentes grupos para que haja uma evolução deles na sociedade. Mas infelizmente, não existe um esforço constante no trabalho empregado para todos. Por exemplo, apesar da área de UX ser conhecida por trabalhar em prol do usuário, as pessoas da área não representam grande parte da população. A pesquisa do Panorama da área de UX do Brasil de 2019 [4] mostra que 70% das pessoas se identificam como brancas. Ou seja, apesar de aproximadamente 51% da população brasileira não se declarar como branca para o IBGE [5], não é isso que encontramos na área de UX como maioria. Ou seja, se não houver pessoas para advogar em prol dos grupos não representamos, quem estará lá na luta diária para fazê-lo?
Por isso, coloco que a acessibilidade é um ponto inicial para começarmos a nos preocuparmos com a diversidade. Quando chegamos no nível da compaixão, de acordo com o artigo do Grupo Nielsen, é quando começamos a advogar para que nenhum grupo minoritário seja esquecido ou deixado de lado, mesmo não fazendo parte desses grupos. Esse é o ponto mais importante, pois temos que ir além e repassar o conhecimento adquirido para todos. Apenas assim conseguimos a real inclusão entre as pessoas, sem o preconceito de que é muito difícil chegarmos nesse ponto.
Tudo que relatei nesse artigo veio da minha experiência nesses 10 anos na área de UX. No começo da minha carreira, quando trabalhava com acessibilidade tudo que aprendi eram teorias, com a aplicação correta de regras repassadas por outras pessoas. Em 2018 tive a oportunidade de aprender na prática sobre acessibilidade e diversidade, convivendo e conhecendo pessoas maravilhosas. Para algumas dessas pessoas o acesso à conhecimentos técnicos era uma quebra de barreiras. Assim como ser respeitado como profissional na área de atuação ou simplesmente ser chamado pelo seu nome real e não por nome imposto por outras pessoas. Conheci diferentes níveis de inclusão e exclusão da sociedade e percebi minha evolução nesses grupos. Não como parte da minoria, mas como parte da solução para inclusão das pessoas que fazem parte das minorias. Não posso afirmar que não possuo preconceitos ou que estou sempre no círculo da inclusão. Pois aprendi que apenas podemos nos colocar nessa posição na prática, no nosso cotidiano.
Hoje sou mais consciente da minha falta de conhecimento em determinadas áreas e dos diferentes perfis de pessoas existentes na sociedade. Mas me coloco sempre na posição de ouvir, aprender e repassar para os próximos dispostos em ouvir.
Esse artigo é uma porta para reflexão. Para que as pessoas se coloquem na posição de ouvir e aprender. Para que você seja mais uma pessoa na luta diária na conquista de uma sociedade mais inclusiva e justa com todos.
[1] Sympathy vs. Empathy in UX
[2] Guia sobre LBI
Trabalho há 10 anos na área de UX, quando tudo era mato e ainda não era conhecida por esse nome. Trabalhei no início com a área de acessibilidade e usabilidade e desde então tenho explorado e aprendido sobre essas áreas. Em 2018 tive a oportunidade de dar aulas de programação para pessoas com deficiência visual e esse foi o grande marco de aprendizagem na minha carreira. Este artigo é uma oportunidade de mostrar uma percepção de tudo que tenho aprendido ao longo dos anos.