O iminente estouro da bolha de UX

Thomaz Rezende Gonçalves
Head of UX
,
VALE DigitalLAB
UPDATE:

A pandemia mudou tudo em 2020.
Por isso este artigo foi revisitado por quem escreveu em entrevista para o UXNOW com apoio da Deeploy.me

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Não é de hoje que a discussão sobre o nosso mercado fala de uma possível bolha de UX, existem várias publicações que abordam esse tema e propõem uma reflexão a respeito. Existem muitos sintomas dessa bolha facilmente observáveis no nosso cotidiano, certamente você já deve ter se deparado com alguns dos exemplos a seguir: 

  1. Temos vaga para UX Sênior: Necessário experiência de 3 anos trabalhando na área de UX;
  2. VAGA: UX Designer Júnior. Pretensão salarial: R$ 5.000,00 (QUE!?)
  3. Mentor de UX com 1 ano de experiência na área;
  4. "379" Cursos de UX por semana;

Mas há ainda quem duvide que esses sinais indiquem a existência de uma Bolha de UX.

Vivemos em bolhas

O termo bolha vem das especulações econômicas, e é a uma ocasião em que o valor ou preço de um ativo apresenta uma intensa inconsistência no valor/preço desse ativo, sem nenhuma motivação diretamente relacionada ao ativo. E isso  já aconteceu repetidas vezes na história da humanidade, vou citar alguns exemplos:

Bolha das Tulipas (1600)

No século 17 aconteceu a considerada, até hoje, a primeira grande bolha especulativa da história mundial. Na Holanda, houve uma onda de histeria coletiva por tulipas exóticas, causando um aumento absurdo no preço dessas flores, ao ponto de pessoas venderem suas casas e outros bens de valor para comprá-las.

Bolha de Bolsa (1929)

Conhecida como a Crise de 1929. Uma  imensa onda de especulações levou milhares de pessoas a investirem no mercado de ações, endividando-se para adquirir títulos da bolsa. Até que a queda dos valores ao longo do tempo culminou num pânico generalizado que levou ao colapso da Bolsa de Nova York, levando milhares de pessoas e empresas à falência. 

Bolha da Internet (2000)

A também conhecida como bolha das "pontocom"  surgiu com a popularização da world wide web (WWW), o valor de  mercado das empresas de tecnologia aumentaram descontroladamente, investidores correram para adquirir mais e mais títulos que se valorizavam irracionalmente. Até o que o mercado percebeu que essas empresas não eram rentáveis como a especulação indicava, e a bolha estourou. 

Bolha Imobiliária (2008)

A crise econômica mundial mais recente teve origem nas chamadas "hipotecas podres", conhecidas no mercado por  "subprime",  créditos com juros altos concedidos pelos bancos a pessoas que não tinham capacidade econômica para assumir as dívidas, o que levou ao estouro da bolha e à última grande crise econômica que vivemos.

Como podemos perceber, exemplos não faltam, e é justamente por essa repetição de bolhas que o termo acabou sendo incorporado ao nosso vocabulário para descrever todo e qualquer crescimento desenfreado de um modelo, mercado, profissão ou disciplina, sem uma razão racional e lógica.

Sempre que há abundância de crédito para pessoas físicas ou jurídicas, fazendo com que elas tenham dinheiro extra para investir em ativos, somado à gestões com baixa maturidade econômica e/ou o advento dos modismos e histerias coletivas sobre um determinado tema, configura-se o cenário perfeito para surgir um novo tipo de bolha: imobiliária, startups, criptomoedas, futebol, UX etc. 

Nesse sentido, podemos observar que o mercado de tecnologia, no qual o UX também está inserido, possui alguns sintomas que se apresentam como possíveis causas dessa bolha:

  1. Ansiedade das empresas de tecnologia e/ou startups em ser o novo próximo unicórnio; 
  2. A necessidade de pertencimento ao hype da "Era da Experiência";
  3. O desespero das grandes e tradicionais empresas em se tornarem mais "ágeis" e "jovens", tornando-se atrativas para a "nova geração que já nasceu digital";
  4. A narrativa do super-herói UX Designer, assumida pelos designers e consumida pelo mercado devido ao baixo nível de entendimento sobre o assunto; 

Efeitos Imediatos

Em uma rápida análise, puramente empírica e baseada nas informações disponibilizadas em artigos e pesquisas como as da @SaibaMais, acredito que os efeitos imediatos que a bolha do UX causam são: 

  1. Baixíssima barreira de entrada: processos seletivos sem critérios claros, gerando vagas com descrições subjetivas e/ou desconexas com a realidade da disciplina;
  2. Salários Inflacionados: profissionais em início de carreira pedem valores absurdos para nível júnior ou pleno;  
  3. Cursos, cursos e mais cursos: devido ao grande volume de pessoas entrando ou iniciando na área, abre-se a oportunidade para quem possui algum conhecimento, compartilhá-lo com outras pessoas. 
  4. Migração descontrolada: outro dia um amigo meu me disse que a irmã dele que havia ficado desempregada e que trabalhava na área da saúde, tinha ouvido falar de um tal de UX e que iria tentar migrar para essa área. Além da enorme quantidade de designers gráficos, diretores de arte, publicitários, jornalistas que também estão migrando.

Futuros desejáveis pra quem?

Numa pretensiosa tentativa de imaginar possíveis consequências futuras vejo 2 caminhos para nosso mercado de UX:

  1. Sob um viés positivo acredito que: 
  • A régua vai subir: a exigência pela qualidade e resultados entregues pelos profissionais e times de UX dentro das empresas vai aumentar, e isso nos leva ao próximo ponto;
  • Amadurecimento do mercado: acredito que o entendimento sobre UX tornará os critérios de seleção e manutenção dos times mais coesos. Haverá maior clareza sobre o que e como cobrar, contratar e mensurar UX nas empresas "não especializadas"; 
  • Estabilização dos salários:  com o amadurecimento do mercado é natural a estabilização das oportunidades e salários, diminuindo o número dos "modistas/oportunistas", isso tende aumentar o interesse genuíno no desenvolvimento das carreiras de UX;


  1. Com o "estouro da bolha" e sob um viés pessimista:
  • Desemprego: pode ocorrer uma quantidade massiva de demissões com a "potencial desilusão" com UX, quando perceberem que não existe super-herói;
  • Redução das oportunidades: com um grau de exigência maior e potenciais decepções em experiências anteriores, haverá uma resistência aos entrantes ou com baixa experiência na área. 

E para 2020 em diante, acredito verdadeiramente que a bolha de UX vai estourar e nós, como profissionais da área, precisamos ser muito honestos ao refletirmos se estamos contribuindo para inflar a bolha ou se estamos colocando nossos esforços para dar mais solidez ao nosso mercado. 

É tempo para se posicionar e dizer não às vagas com descrições e critérios duvidosos, não ao UX de Marketing, não aos salários absurdos para quem ainda não tem bagagem, não aos aproveitadores mal intencionados que exploram o hype do UX para fazer grana a qualquer custo. 

Precisamos ser mais economicamente maduros para que nosso mercado de UX torne-se cada vez mais forte e genuinamente relevante.

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Thomaz Rezende Gonçalves
Head of UX
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VALE DigitalLAB

Paulistano morando no Rio. Nipobrasileiro com 34 anos.Apaixonado pelas abordagens do Design Centrado no Usuário. Me interesso muito pelos paralelos e conexões conceituais fora do trivial e pela análise das motivações e comportamentos das pessoas. Hoje eu atuo como Head de UX do DigitalLAB da VALE.

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