Quando pensamos no futuro temos a ideia de grandes revoluções, como viagens espaciais, novos modos de vida e objetos inovadores. Mas a História mostra que somos apenas Pokemons, seres que estão evoluindo e crescendo a cada dia. Nas palavras de William Gibson, “O futuro já chegou. Só não está uniformemente distribuído”.
Nosso campo de trabalho, o design da experiência do usuário (UX), começou com alguns poucos entusiastas percebendo que além do hardware e do software, havia um terceiro componente fundamental para o desenvolvimento de produtos digitais: as pessoas. Para popularizar computadores, sites, aplicativos e outros tantos sistemas interativos, a interface, para nós humanos, precisava ser mais simples, intuitiva, agradável e capaz de prevenir erros humanos. Lembro que durante meu estágio, há duas décadas atrás, tive aulas de um software de projetos de engenharia e a primeira coisa que a professora ensinou era: “Nunca aperte a tecla ESC, porque ela sai sem salvar e você vai perder todo o seu trabalho”. Ainda era um tempo no qual os projetistas de produtos digitais pouco se preocupavam com as pessoas.
Os cavaleiros solitários dos primeiros dias da nossa profissão logo partiram para evangelizar colegas e empresas sobre a importância do lado humano no desenvolvimento dos produtos digitais e de como o design era uma ferramenta essencial nessa cruzada. Algumas poucas empresas naquele tempo tinham consciência dessa importância e investiram em UX desde o princípio (tive a sorte em trabalhar em uma delas e foi uma grande escola). Mas a regra era o time do eu-sozinho, como um bravo Dom Quixote ainda sem seu Sancho Pança. Mais que investimentos, faltava maturidade, faltava uma cultura da importância do design da experiência do usuário nos projetos de produtos digitais.
Naquela época, na virada do século, também não havia uma formação sólida em UX. Sabíamos que precisávamos conhecer os usuários dos nossos produtos, suas necessidades, comportamentos e diferenças, mas ainda não sabíamos bem como fazer isso. Assim experimentávamos, aprendíamos de forma autodidata, liamos livros (hoje clássicos da nossa área) e estudávamos métodos e técnicas de outras disciplinas importando-os para nosso campo teórico em formação.
E como a solidão incomodava, logo procuramos nossos semelhantes. Formamos grupos, espaços para discussão e uma comunidade vibrante e ansiosa para compartilhar seus aprendizados. E essa vontade de compartilhar resultou nos cursos para formação de profissionais e nos grandes congressos que temos atualmente.
Por ter valores verdadeiros, o cenário mambembe daqueles dias evoluiu. Nossa área cresceu e conquistou seu lugar ao sol. Hoje os consumidores são mais informados e exigentes, têm mais alternativas e buscam experiências boas e autênticas. Eles querem respeito às suas diferenças, comportamentos e ideais. E a inovação tornou-se o caminho da sobrevivência das empresas, que querem a agilidade, a transparência e a proximidade do digital.
O design tornou-se o santo graal desse novo mundo. As empresas estão investindo forte em UX e nosso mercado está fervendo. Atualmente temos times com dezenas de designers e mais vagas anunciadas que a nossa capacidade de formar bons profissionais. E isso não é apenas aqui no Brasil. É um movimento mundial, que leva para o exterior a nossa gente, nosso maior patrimônio.
Agora temos times grandes com estruturas organizacionais complexas. Criamos níveis de liderança, dividimos nosso trabalho e discutimos quadros de competências. Especializamos nossos profissionais em estratégia, pesquisa, serviços, organização, interação, escrita e visual. Ainda nos confundimos com alguns desses termos, leva um tempo para as definições maturarem, mas isso é natural em uma área que cresceu rápido.
Um bom retrato dessa evolução é a criação de áreas de DesignOps nas estruturas organizacionais de design nas empresas. Na busca por ganhos de escala, essas áreas surgiram para cuidar da operação desses times, dando suporte às atividades que produzem valor no sistema. Elas abraçam processos relacionados ao capital humano, comunicação, ferramentas, workflow, design system e governança entre outros, removendo empecilhos para que a mágica do design possa acontecer. Atualmente estou desempenhando esse papel em uma grande organização e tenho aprendido muito sobre o design de times de design.
Chegamos no mundo que sonhávamos. Já não existe mais o desconhecimento da importância do nosso trabalho, do valor da nossa preocupação com o lado humano dos produtos digitais. Vivemos uma nova realidade.
Mas e o futuro? O que nos aguarda?
Investimentos pedem retorno, é da natureza do nosso mundo capitalista. Todo esse aporte financeiro, de pessoas e infraestrutura cobrará seu preço em breve. As empresas estão investindo em UX porque acreditam que produtos com boas experiências melhoram a vida dos consumidores que irão valorizá-los e pagar mais por isso. Não é filantropia, é a boa e velha troca de valor que movimenta os mercados.
Caso o retorno desses investimentos não se concretize, o design da experiência do usuário será apenas mais uma onda entre as tantas que já existiram na evolução dos processos empresariais. Seremos um momento da história como foi o taylorismo, a qualidade total, a reengenharia e tantos outros. Momentos que foram importantes na nossa evolução, mas que passaram.
Precisamos nesse futuro próximo de um design voltado a resultados, provando que cada centavo em nós investido trouxe retorno, seja na forma de mais aprendizados, mais clientes e, claro, mais lucros.
Por sorte desenvolvemos nossas técnicas e métodos, hoje está mais fácil apurar resultados e corrigir desvios. Temos ferramentas de pesquisa e de analytics evoluídas para ouvir continuamente nossos consumidores, frameworks de métricas (como o HEART e o AARRR) para saber o que medir, cientistas de dados para nos ajudar com todos esses números e processos de trabalho ágeis, pivotantes e tolerantes a erros. E junto com os investimentos temos o apoio necessário para implementar isso tudo.
E acredito que traremos sim esse lucro esperado. Já temos inúmeros cases e pesquisas comprovando o retorno do investimento em design. Eu mesmo já vivenciei projetos com aumento significativo nos resultados dos produtos e suas funcionalidades.
Mas nesse novo mundo precisamos ficar atentos a nossa essência: o cuidado com as pessoas. Nascemos para criar produtos que melhorem a vida das pessoas, que respeitem suas necessidades, comportamentos e diferenças a fim de engajá-las em uma relação mais duradoura com as empresas. É um caminho mais difícil, mas somos capazes de trazer lucro com essa sustentabilidade, com essa ética nas nossas ações e projetos. Sem essa essência não sobreviveremos, porque nosso mundo contemporâneo pede relações verdadeiras.
Assim, gente bronzeada, chegou a hora de mostrarmos nosso valor, mas sem perder nossa essência.
Especialista em User Experience (UX) e produtos digitais. Atualmente sou Gerente de UX Design na Globo.com. Coordenei diversas equipes e projetos de produtos digitais como e-commerce, website, aplicativo para smartphone e tablet, Smart TV, portais, intranet e caixa eletrônico em empresas como Globoplay (TV Globo e Globo.com), Catho, WebMotors, Banco Real, Santander, Try, Sensormatic e Unilever. Como professor ministro disciplinas sobre UX em cursos de pós-graduação. Sou graduado em Engenharia Elétrica, pós-graduado em Marketing e mestre em Ciência da Informação.