Quando comecei minha jornada como designer gráfico, em 2012 eu percebia que o design ainda era visto pelas grandes empresas como aquele elemento surpresa, a chamada “cereja do bolo”. Era aquele “gasto extra” que muitas empresas ainda não consideravam como algo de suma importância, a não ser que tivessem um budget considerável. Também era visto como design apenas o logo, o site, a embalagem bonita. E ponto.
Quando trabalhava em algum projeto como freelancer também via constantemente uma situação bem conhecida por qualquer designer: a do cliente que não tinha um budget decente para concluir a etapa do design. Ele tinha um business plan super bem-feito e um orçamento robusto para todos os outros aspectos do negócio mas para o design...”Ixi, vou ficar te devendo, é só isso que eu tenho pra essa parte” (não vou mencionar o “posso pagar com visibilidade?!”).
Pois bem, nos últimos anos as vertentes do design se tornaram tão próximas que podemos dizer não haver mais barreiras entre o Design Gráfico, o Service Design, o User Experience e por aí vai. Obviamente existem profissionais dedicados a cada um desses segmentos mas o que é vivido e experimentado pelo consumidor é a junção de todos esses elementos.
Hoje em dia o design bem feito é um elemento primordial, condição sinequanon para que um negócio de qualquer natureza se mantenha relevante e competitivo em seu meio de atuação. E 2020 será o ano em que as empresas terão que assimilar essa realidade. O consumidor de hoje é rápido, conectado, impaciente e o principal: tem um poder de escolha muito grande diante de tantos players no mercado em todos os segmentos.
A dificuldade maior não é para empresas recém criadas, aquelas geradas por Millennials. Essas costumam ter em seu DNA a compreensão do Design como elemento chave para a construção de um negócio de sucesso ou pelo menos têm maior agilidade para poder testar processos em razão do seu tamanho mais enxuto.
A meu ver, o desafio maior fica para as grandes corporações, empresas que tem muito tempo de mercado e que mantém as mesmas fórmulas de anos atrás. Empresas essas que ainda custam a entender o que fazer diante da Transformação Digital e como competir com gigantes da inovação como Amazon, Booking, etc.
Curiosamente, para essas empresas não falta verba e sim líderes com a mentalidade adequada para gerir empresas alinhadas com os anseios do consumidor de 2020. Falta um mindset digital.
Se você viveu sua infância ou adolescência nos anos 90 como eu provavelmente deve ter passado alguma noite de sexta-feira na extinta Blockbuster, a gigante americana e mais importante empresa de locação de vídeos e games. Pra mim, ir até a Blockbuster escolher um filme (ou vários) era um verdadeiro ritual, o que era um grande trunfo para a empresa que tinha uma verdadeira ligação emocional com os seus clientes.
O que poderia ter sido usado como vantagem competitiva pela marca, aliado à inovação, adaptação aos novos tempos e service design foi deixado de lado o que levou a Blockbuster à encerrar suas operações em 2010.
É importante lembrar que em 2000 a marca foi procurada pela até então desconhecida Netflix que fez uma proposta de compra da marca por 50 milhões de dólares. A proposta foi recusada pelo CEO que achou o modelo de negócio da Netflix muito segmentado.
Desconhecida no Brasil mas reconhecida globalmente como a mais antiga agência de viagens no mundo, a britânica Thomas Cook encerrou suas atividades em 2019 após 178 anos de atuação. O motivo? Não saber adaptar seu modelo de negócio aos novos tempos e inaptidão para lidar com a concorrência afiada de empresas que estão revolucionando o turismo como SkyScanner, AirBnb, Booking, entre outras.
A Thomas Cook insistiu em um modelo de negócio obsoleto em seu segmento insistindo em manter agências físicas pela Europa, o que não fazia mais sentido.
No meio digital, pecava pela pífia experiência de usuário até o momento em que foi totalmente engolida pelas concorrentes que investem incansavelmente em Inovação e User Experience.
O que muitas empresas precisam aprender em 2020 é que o Design a que nos referimos não são elementos isolados, são todas as interações entre a marca e o consumidor em diversos momentos do dia-a-dia dele. Não é só o logo moderno, o site bonito, é o que a marca representa, o que ela viabiliza, o que transmite. Essas mensagens só são propriamente comunicadas quando existe coerência nesse diálogo entre marca e consumidor.
Imagine uma marca com a qual você se relaciona com frequência, um e-commerce por exemplo. Se essa marca oferece uma ótima experiência durante a compra, processo de pagamento simples e eficiente, entrega rápida, branding bem feito, etc. a sua percepção como cliente será extremamente positiva porque há coerência em todas as etapas. Agora imagine que você precise devolver um item e receber o seu dinheiro de volta e para que isso aconteça você tenha que ligar 3 ou 4 vezes para o S.A.C. da marca para no fim receber o seu reembolso em 90 dias. Péssima experiência pós compra, não? Pois essa experiência final pode colocar a perder todo “customer journey” (jornanda do cliente) bem feito, todo branding, planning, etc. E tudo porque faltou coesão entre as etapas.
Design em 2020 é “O” coração de uma marca. É a paz de um serviço realizado com eficiência, é a conta paga pelo aplicativo sem dor de cabeça, é a passagem transferida pra outro dia com tranquilidade, a consulta médica agendada rapidamente pelo celular.
Constantemente citada como um ótimo case de Inovação, a Magazine Luiza é também um exemplo de empresa familiar tradicional que soube muito bem adaptar o seu mindset ao meio digital. Aliando estratégias de Service Design e User Experience a marca representa hoje uma das principais referências de digitalização do mercado brasileiro. Se inspirou no conceito “lean startup para adaptar o modelo ágil das startups para sua realidade. Além disso integrou as operações digital e física dando início a uma estratégia omnichannel.
As empresas que ainda enxergam o design como “cereja do bolo” infelizmente vão entender da pior forma possível que esse é um erro inadmissível nos dias de hoje.
Design é a massa, a base que sustenta e mantém um negócio relevante num mercado cada vez mais competitivo onde o consumidor almeja uma experiência positiva em todos os aspectos, como um todo.
Diretora de arte e Especialista em Branding com mais de 7 anos de experiência na área do design. Já passou por agências e marcas como Citroen, Calvin Klein e Kate Spade New York, no Brasil, Índia e Bélgica, onde está baseada há 4 anos. Atualmente é Coordenadora de Design na UPS, líder mundial em logística e supply chain solutions.