Faz parte e já estou acostumado: o redator publicitário adentra o mercado de UX Writing trazendo talento e experiência, pronto para aplicar toda sua bagagem e técnicas de criatividade ao universo textual. Ele imagina que aplicativos, chatbots e assistentes de voz sejam, naturalmente, um campo a mais – e promissor – para o seu ofício. Afinal, onde há texto, há redação. E onde há redação, há um redator.
Então, ele se frustra profundamente.
Enquanto isso, o jornalista, já habituado à elaboração de textos para o meio digital, com suas peculiaridades em relação ao design e à tecnologia, começa a estudar UX Writing. A transição será fluida: por um lado, ele tem anos de prática em apuração de notícias; por outro, foi sensível às mudanças do meio impresso para o digital, e por isso sabe que um texto para a web é bem diferente do texto off-line.
E também se frustra.
Não à toa, costumo iniciar meus cursos explicando que UX Writing é mais UX do que Writing. Que a escrita em questão envolve muito mais a escolha de palavras e expressões que a elaboração de textos ‘corridos’, e que o mergulho na semântica dos públicos é o que importa.
Mas é frustrante, eu sei.
O surgimento do UX Writing é o espelho do comportamento recente dos públicos que consomem conteúdo no meio móvel, sedento por dados e – só às vezes – informação. Queremos objetividade na comunicação, não conversa; essa, que fique restrita às redes sociais.
Buscamos, cada vez mais, encontrar o que procuramos, e não desperdiçar tempo construindo conhecimento. Que este fique para as interfaces maiores de desktops e notebooks, aos quais dedicamos, quando queremos, o tempo necessário. Mas não faça água no smartphone, criado para a mobilidade das ruas, o caos de dispersão no qual estamos imersos dia após dia.
Assim, quando o público encosta o redator na parede, e deixa claro que dele não quer prática ou bagagem, mas sim o reflexo do que fala e escreve, o incômodo é terrível.
Afinal, o mesmo profissional que é valorizado por sua criatividade na publicidade, e pela habilidade em compor textos no jornalismo, é útil por ser um instrumento de pesquisa na redação para produtos digitais.
Quando se tem mais de três décadas de redação, como é o meu caso, assisto a tudo com compreensão, mas também ajo com a sinceridade que convém à situação. Como consultor e professor, tenho obrigação de ligar o sinal de alerta quando o mercado de UX Writing, ainda em seus primeiros momentos, corre risco.
É por isso que, ainda que de brincadeira, critico tanto o que chamo de Friend Writing – em outras palavras, o vício de perguntar a um colega que termo ele costuma usar em um determinado componente, como um botão de um app, por exemplo. Isso pode ser tudo, mas UX Writing não é.
A proposta de transformação do UX Writing – e parte do fascínio da área - está justamente em esquecer o que sabemos e ouvir os públicos. E cada público tem um universo semântico diverso do outro, o que também se reflete no mercado em que ele está inserido e, ainda, no país em que está e na língua que fala.
Criar soluções fáceis ignorando tudo isso e usando o consenso entre amigos como ferramenta, chega a ser quase uma afronta – mas não é, faz parte do amadurecimento de uma área que ainda engatinha, e é preciso ter calma.
Posso dizer isso com propriedade, porque assisti, há mais de vinte anos, o surgimento da escrita para sites e portais, e o movimento foi o mesmo. Antes que percebêssemos que o segredo do texto on-line está na relação com a interface na qual está inserido, erramos bastante. Do nada, surgiam boas práticas em um mercado ainda bebê. Mas faz parte; com o andar da carruagem, o ruído se desfez.
Se desejamos que o UX Writing seja visto como uma ferramenta nova, capaz de resolver problemas em um meio que também está crescendo - o móvel -, é obrigatório que levemos a sério nosso ofício, da mesma forma como tem sido feito na história da redação, desde o início. Os primeiros redatores para tevê sabiam que o produto de seu trabalho precisava ser diferente daquele que estavam acostumados a criar para o rádio. E quem cismou em repetir o modelo anterior foi obrigado a se adaptar para não ficar para trás.
A década que se inicia será decisiva para o UX Writing. Quando bem pensado e executado, o UX Writing é um instrumento capaz de desviar da subjetividade na comunicação e agir com a objetividade de uma palavra certa e bem escolhida. Ele é capaz de criar uma informação muito mais cristalina daquela que (ainda) encontramos nos produtos para interfaces móveis, e assim agilizar a tomada de decisão dos usuários.
Torço para que seja dito e escrito sobre UX Writing em 2020, no Brasil e no resto do mundo, constitua um passo adiante no caminho que há pouco começamos a trilhar. Somos crianças ainda, queiramos ou não, e há muito o que aprender.
Bruno Rodrigues é consultor e professor, especialista em Informação para a Mídia Digital, autor dos livros 'Em busca de boas práticas de UX Writing' (2019) e 'Webwriting: Pensando o texto para a mídia digital' (2000) - ambas as primeiras obras em língua portuguesa sobre Webwriting e UX Writing - e de 'Webwriting: Redação & informação para a web' (2006) e ‘Webwriting: Redação para a mídia digital’ (2014). Produziu para o Governo Federal o padrão brasileiro de redação online, 'Padrões Brasil e-Gov: Cartilha de Redação Web' (2010). Em vinte anos já prestou consultoria e ministrou treinamentos em Webwriting, UX Writing e Arquitetura da Informação para mais de 60 empresas do Brasil e do exterior.