Quando éramos crianças, além de ter que ir à escola todos os dias, tínhamos também que fazer lição de casa. Para uma criança isso é o fim do mundo? Passávamos tempo demais em classe, então pra quê mais coisa da escola quando não estamos lá? Enfim, apesar de nossas frustrações e discordâncias juvenis a esse métodos, ou fazíamos, ou teríamos algum prejuízo à nossa espera.
O principal fator a se levar em conta é entendermos o conceito de lição de casa: Algo que temos que fazer fora do ambiente prático, que sirva de documentação daquilo que aprendemos ou fizemos. Mais importante que isso, a lição de casa servia para nossos pais terem uma noção do que estávamos aprendendo, e se estávamos realmente aprendendo alguma coisa.
Agora, levante a mão quem está com o portfolio atualizado. Pois bem. O portfolio é a sua lição de casa na vida profissional de designer.
Usando as mesmas figuras, imagine o seguinte:
É o que você levanta cedo pra fazer toda segunda-feira, e idealmente, com empolgação para aprender algo novo através das experiências trazidas por fazer na prática.
Lá você interage, conversa, pesquisa, cria, testa, implementa. Está em ação, com a mão na massa, vendo tudo acontecer, apreciando cada avanço, meta cumprida. E as pessoas em seu time contribuindo com seu trabalho.
Agora, você tem que fazer algo para que as pessoas que não estão lá com você possam ter acesso, e não só isso, mas apreciarem, verem o que você anda fazendo e o que está aprendendo.
Tenho certeza que você já escutou por aí que o que está dentro de você precisa se transformar em algo pra outras pessoas. Sim. É importante frisar que o UX/UI Designer é um facilitador, um agente anti-caos, um tradutor, e ao mesmo tempo, o cara que consegue pensar no lado humano. Ou seja, todo o seu trabalho não é para você. Foi feito para o projeto ao qual você atuou, para a empresa que acreditou em você, e finalmente, ao usuário que vai apreciar aquele produto sem ter nenhuma noção do trabalho, suor e lágrimas necessários pra fazer o complexo ficar simples. Quando entendemos essa realidade, o que nos resta? Contar essa história, nos colocando como narradores dela.
Conceitualmente, um portfolio nada mais é do que um apanhado de seus melhores trabalhos, para que alguém os veja e conclua que você está qualificado para fazer algo. Nesse momento, não há análise humana – apenas técnica. Bem, no universo de UX, não é (e não pode ser) bem assim. Como recrutadores, o que mais vemos são portfolios sem alma, sem histórias, sem contexto. Vemos (nem sempre) belas imagens do resultado final, o que nos deixa ainda mais perdidos: Você fez isso sozinho? Quanto tempo levou? O que exatamente você fez? Qual foi o contexto? Problema? Como resolveu o problema? E muito mais importante que isso: Qual foi o processo?
Essas histórias não-contadas são o que todo recrutador busca. Não se trata do destino, mas da jornada. Se você não é capaz de contar essa história, temos aqui um problema muito grave: Todo UX/UI designer precisa ser capaz de contar uma história. Porquê? Porque você está lidando com pessoas. Está pesquisando, criando, testando, refazendo, testando de novo, pra elas. Se você não gosta de pessoas e não se importa com elas, nobre jovem, está na hora de repensar sua carreira.
Você é o produto que o recrutador quer comprar. Como você imagina que deve ser experiência dele nesse processo? Em outras palavras, qual é a UX do seu portfolio de UX?
Se não tinha pensado nisso, chegou a hora. Desperte seu lado storyteller, pegue um caderno, uma caneta e comece agora mesmo a contar suas histórias.
É agora que entra a lição de casa. Como é que você vai contar a história de seu processo, se no decorrer dele não registrou nada? Não adianta chorar depois que tudo já aconteceu. Sem provas, as pessoas tem o direito de simplesmente não dar crédito ao que você está afirmando.
Como estamos falando de contar histórias, sabemos muito bem que só escrever não adianta. Um recrutador tem no máximo 5 minutos para avaliar seu portfolio, e isso inclui tudo: chegar a você, consumir o conteúdo de um case específico, concluir algo e fazer alguma ação. Logo, precisamos de imagens, hierarquias de informação e uma didática simples e direta do tamanho desse conteúdo, pra não perdermos a atenção ao logo da jornada.
Nem pense em usar imagens fake, nem de pegar imagens de pessoas ou projetos alheios. Você precisa dizer a verdade sempre, ou suas máscaras cairão mais cedo do que você imagina. Tirar fotos das sessões, gerar print screens, salvar versões anteriores de seus arquivos são um bom começo.
É importante mencionar que esse projeto precisa ter você no centro. Então apareça nas fotos, seja claro no que exatamente foi feito por você, garanta que o que está sendo dito seja verdade. Seus colegas de trabalho são automaticamente suas testemunhas, pois estavam ao seu lado nesses momentos. Peça a elas que contribuam em seu storytelling, fornecendo conteúdo feito por eles (fotos, etc.) E obviamente, não esqueça de mencioná- los.
Certifique-se de suas permissões Antes de tornar esse conteúdo público, tenha a certeza de que o que estará sendo exibido está de acordo com as normas de sigilo da empresa em que atua, bem como as do cliente final. Não queremos colocar nosso nome em risco, e nem dos players envolvidos. Isso pode ser altamente nocivo a todos.
Você pode pensar: “Ah, mas estou bem onde estou trabalhando. Não preciso pensar nisso agora.” Ok, mas uma nova oportunidade não precisa ser o seu destino final. Seu portfolio é o que o coloca entre os melhores de seu setor. É o que inspira as pessoas menos experientes, para usarem como referência. É o trailer do filme sobre você que as pessoas podem ter acesso, não importando o que farão com essa informação. Além disso, uma das coisas mais importantes da carreira é podermos olhar para trás e realmente perceber nossa evolução. As memórias se vão com o tempo, mas algo que está documentado cultiva as lembranças. São a prova de onde você esteve, com quem trabalhou e mostram sua versatilidade de projetos.
Designer há mais de 20 anos, especializado em UI Design e Branding nas áreas empresarial, publicitário e editorial. Atualmente é associate e curador de portfólios na nid-human.com e deeploy.me.