Foi numa simples mensagem de WhatsApp: o Vitor Guerra me contando sobre sua iniciativa - uma visão brasileira e colaborativa sobre design, produto e comunidade para o próximo ano. Adorei a ideia de reunir as muitas opiniões e visões para o Design em 2020 num só lugar. Parabéns, Vitor! A minha surpresa foi que, logo em seguida ele me convidou para contribuir também.
Fiquei feliz e animadíssima de cara! Mas logo pensei que a missão de cunhar uma visão para 2020 não seria nada fácil, e talvez até um tanto pretensiosa de minha parte - mas vamos lá!
Designers têm a missão de questionar o porquê das coisas que nos cercam e propor alternativas para problemas que incomodam. Ser designer sempre me permitiu criar um pouco do mundo no qual quero viver. Para mim, design é uma abordagem que nos empodera na narrativa de construção.
Não sei se tenho uma visão organizada e clara para sugerir como trabalho aos designers brasileiros em 2020. Mas tenho cinco tópicos que podem ser bons temas para o ano que vem. São coisas que ferveram em 2019 no meu dia-a-dia - nas conversas do time de design do QuintoAndar no WhatsApp, no Fórum de Lideranças Global organizado pela McKinsey, nos grandes eventos e conferências impecáveis e em uma infinidade de mensagens soltas no Linkedin.
Escolhi “pluralidade” e não “diversidade” apenas por simpatia à raiz da palavra. Falar de “diverso” implica uma escolha que define o que é diferente de mim. Já pluralidade passa a mensagem de conjunto, de muitas unidades, o que tem muito mais a ver com design.
O eixo das discussões em design ainda é muito eurocentrista e elitista. A abordagem em si extrapola sua origem: design é para todos. Cabe a nós profissionais do design articular uma maior inclusão, integrando pessoas de vivências diferentes, para fazer juz a essa natureza.
O Panorama UX 2019, relatório que mapeou o mercado de usabilidade no Brasil, organizado pela Carol Leslie, da Zoly, traz um retrato de que ainda somos pouco plurais.
Na UXConf 2019, Wagner Silva trouxe uma ótima discussão sobre referências negras que desconhecemos, ainda que sejam grandes nomes do Design 'gringo'. Depois da palestra, pensei nas duas únicas pessoas negras com quem trabalhei em 18 anos de carreira. Realidade triste. Realidade que o projeto brilhante do UX para Minas Pretas, da Karen Santos, aborda de maneira sutil e eficiente.
Falta pluralidade mesmo na gestão em design:, ela ainda é branca e masculina. Doeu demais pensar nas 10 startups com maior valor de mercado do Brasil e perceber que, entre os que ocupam os maiores cargos em design nessas empresas, sou a única mulher. Mesmo meu sentimento de conquista não tirou o amargo dessa lista. Desde então não parei de pensar em como posso mudar isso. Até então, nunca tinha me identificado de verdade com esse tema, porque sei da minha infinita lista de privilégios. Mas melhor agora do que amanhã...
A falta de representatividade no design vai ainda mais fundo. É só pensar na relação entre design e pessoas que vivem na periferia. Ser designer praticamente não é opção para jovens de áreas periféricas. Aprendi com O Design para bordas, do Mateus Rezende. É um projeto que se dedica a aproximar alunos de ensino médio da rede pública de bairros mais afastados de São Paulo ao mundo do design. Eles passam quatro sábados criando um app. Assim, os estudantes conhecem um pouco da nossa atividade e, quem sabe, se interessaram em seguir a carreira. Em novembro de 2019 estive lá, como voluntária, ao lado dos designers com quem trabalho para dividir minha experiência e aprender muito.
Esse tópico rende muito, o que não deixa dúvida que precisamos trabalhar e discutir muito para que a nossa própria rede de profissionais seja plural.
Em 2019, também conversei com muita gente sobre um texto meu: Pelo fim da liderança acidental. Sobre esse ponto, entendi que há duas coisas distintas:
Cada vez mais a gente vê um movimento de internalização da disciplina de design nas empresas. A aposta é ter o design dentro de casa para acelerar a inovação e criar soluções mais relevantes para os clientes. A consequência disso é que cada vez mais designers se tornam gestores. É nesse momento que um profissional que se dedicou a criar a estratégia e os processos de um projeto, produto ou serviço, se vê perdido ao ter que pensar em estratégias e processos para um time. O ponto é que, uma vez que as oportunidades existem, nós designers precisamos ter a coragem de experimentar e aprender. Mas com convicção. Não nasci gestora, sou super novata nessa responsabilidade e posição, mas decidi que ia fazer acontecer. E a jornada tem sido de muito crescimento. Nada fácil, mas incrível.
Se engana quem acha que se depende de um título. O que faz a diferença é o nosso comportamento:
Todo designer tem a oportunidade de mudar um contexto, seja na empresa, no seu dia a dia ou em algum grupo, uma vez que entenda e tenha uma visão clara do que quer. A partir disso pode atuar em ações em que é líder.
Por exemplo: você acredita que as soluções da sua empresa serão melhores com trabalho em equipe? Pronto, você já tem uma visão. Agora é pensar em maneiras de promover isso, ganhar aliados para sua visão e experimentar. Isso é agir como liderança. Ninguém precisa de um título ou cargo para ser líder de algo que você acredita ser a direção.
Como categoria, nós designers temos um mar de oportunidades para liderar mudanças dentro e fora das empresas. Infinitas oportunidades nesse item também!
2019 também foi um baita “fail” para os patinetes, que se apresentaram como uma solução para mobilidade urbana. Assim que apareceram, achei que era uma proposta divertida. Sempre morri de medo, mas nunca achei que o que estava por vir era uma sequência de notícias ruins, desde de muitos braços quebrados até o aumento da violência urbana.
A lição aqui é lembrar que, quando há muita experimentação, vamos acumular, sim, muitas falhas quando lançamos qualquer coisa. Errar faz parte do processo de prototipar e testar e iterar. O que precisamos fazer é nos questionar e aprofundar nas discussões sobre aquelas nossas ideias que em algum momento irão para rua. Não dá para ficar só na euforia do novo.
Trazer o racional sobre o que seu serviço e produto atende e não atende é um exercício necessário. Você avaliou se há algum possível efeito indesejado no que está entregando? Você tem a coragem de ponderar com honestidade para as suas respostas?
A BBC Brasil publicou em maio uma reportagem que me deixou com coração apertado (Dormir na rua e pedalar 12 horas por dia: a rotina dos entregadores de aplicativos). Ela contava a vida de rapazes da periferia de São Paulo que dormiam na rua para poder trabalhar mais para aplicativos de entrega. Essa foi a alternativa que encontraram já que as regiões com maior demanda ficam muito longe das suas casas.
Pensei nessa reportagem da BBC quando li, tempos depois, que uma das empresas de entrega tinha lançado um programa oferecendo alguns serviços que são garantias no regime da CLT para os seus entregadores. É um começo e pode funcionar para a construção de uma relação mais sadia entre todas as pessoas do ecossistema do serviço.
Além de inúmeros desafios de ordem social, encaramos problemas urgentes relacionados ao planeta. Dilemas que podem parecer distantes a uma interface ou fluxo que você está trabalhando hoje. Mas talvez seja a partir daí que a gente comece a fazer as perguntas difíceis e consiga promover conversas necessárias. Como designers sabemos questionar e desenhar soluções. Essas habilidades são cada vez mais relevantes e cabe a nós usá-las da melhor forma o possível.
Nos últimos anos, só se fala em “o design tem que sentar à mesa de negócios”. Esse movimento é legítimo. Muitas empresas apostam na abordagem do design para gerar e estimular trocas.
Com a habilidade de se comunicar bem com negócios ainda em construção, já vejo designers se perguntando sobre como chegar a uma métrica sobre sentimentos. Números são aliados, mas não dá para medir tudo. Não se deve cair na armadilha de as pessoas virarem - apenas - um conjunto de dados.
Design é uma abordagem com muitos processos e ferramentas, mas há muito de percepção, conversa, leituras sutis sobre comportamentos e relações. Se a gente perder essa habilidade e a atenção em relação às pessoas, se perde também aquilo que o design tem de especial.
Nosso desafio é reconhecer, para empresas e para nós mesmos, que há coisas que não serão medidas mesmo. Assumir que nada é tão valioso quanto sair do computador e falar com gente na rua, largar os frameworks e perguntar, genuinamente, para um colega como ele está, num esforço real de construção de relação entre pessoas, não só como colaboradores.
Criar uma visão é uma das grandes responsabilidades de um líder. Quando o Vitor nos convida a fazer isso colaborativamente, vejo como uma convocação. Não só pra mim. Se você chegou até aqui e ficou animado com pelo menos um dos temas, fica o convite para fazer parte da construção de um 2020 do qual a gente se orgulhe.
Um 2020 mais plural com mais mulheres, negros, LGBTQ+ e periferias no design!
Um 2020 com mais liderança e designers mais atuantes em mudanças pertinentes em empresas, negócios e sociedade!
Um 2020 com mais maturidade e designers mais críticos!
Um 2020 com mais responsabilidade e designers mais conscientes e propositivos!
Um 2020 sem esquecer da nossa essência!
Um viva ao design, essa abordagem que não só questiona, mas propõe o novo!
Adoro facilitar o trabalho de times de design na criação de produtos e serviços pertinentes na vida das pessoas. Tudo com muitas sharpies e post-its. Sou designer e atuo como Product Design Manager de uma das startups que mais cresceu no Brasil nos últimos cinco anos. Hoje, gerencio um time de mais de quarenta profissionais espalhados por todas as soluções que o QuintoAndar oferece no mercado imobiliário. Sou formada em Desenho Industrial pela Esdi - UERJ e pela Ohio State University; e em Design de Serviços e Inovação pela Eise - live|work. Há mais de cinco anos, venho me dedicando exclusivamente a implementar esta abordagem em startups. Minha jornada na gestão é relativamente recente, mas coloco muita intenção não só nos meus novos desafios, como também, em dividir os bastidores em conferências e em textos no Medium/@letspires."