Na era dos aplicativos, diversas startups começam a surgir com objetivos dos mais variados. Todas elas desejam unir muitas vezes um discurso de mudança social e serviço de qualidade com o de agregar valor financeiro e fazer a empresa crescer. Mas esses produtos são, de fato, honestos com seus usuários?
UX e negócios precisam estar alinhados, isso todos nós sabemos. Mas nem sempre — sendo otimista para não dizer "raramente — conseguem se manter andando juntos. O grande problema é quando se priorizam fatores que podem agregar o negócio, com o sacrifício de causar uma série de impactos negativos na experiência do usuário — e acredite, diversas vezes uma coisa pode sim divergir da outra. Conhecemos esse tipo de processo comumente como Dark Pattern, e cada designer consciente deve sempre reduzir o impacto desses métodos e progressivamente torná-los mais obsoletos com soluções mais saudáveis para o usuário.
Mas esse processo não é tão simples. Envolve muitas áreas que se relacionam com o produto, desde o setor financeiro da empresa como área de vendas, até os times de engenharia e produto. Em alguns casos ainda envolve a forma que a empresa rentabiliza todo o funcionamento dela.
Contudo, existem formas de começar a atacar esse problema que podem tornar a situação mais simples de ser entendida.
"A business model describes how your company creates, delivers and captures value." — Steve Blank, creator of Lean Startup
Steve Blank foi cirúrgico em comentar sobre o papel do modelo de negócio de uma empresa. Porém esse artefato não é tão comum quanto deveria ser nas mãos dos designers que trabalham nas empresas. O potencial que o modelo de negócio tem em nortear decisões é incomparável. Além do produto em si, ele também define o método de produção, o público alvo e as fontes de receita de uma empresa. Com o mínimo de entendimento dele, é possível saber se, de fato, a empresa pode ter problemas de conflito entre necessidades do usuário e necessidades de negócios.
E não se deixe enganar: muitas empresas parecem estar norteadas por necessidades de usuário quando na verdade só encontraram uma forma de suprir uma necessidade de mercado visando beneficiar ofertantes, não consumidores. Isso é uma imensa porta de entrada para iniciativas de Dark Pattern. Você pode ver diversos exemplos aqui.
"The problem with revenue as an indicator of product success is that by the time you’re losing it, it’s probably too late, […]" — Todd Olson, CEO of Pendo.
As métricas de sucesso são indicadores poderosos que ditam muitas regras sobre como serão os próximos passos para evoluir e escalar um produto. E isso pode ser uma benção ou uma maldição. Quando a métrica capta dados que são controversos, o que acontece é um fenômeno que pode embarreirar o crescimento de uma empresa por muito tempo. Vamos a um exemplo prático:
Uma das métricas de sucesso dessa empresa é taxa de conversão de vendas de produtos. Em algum momento, você toma uma decisão de design em passar a exibir mais informações sobre o produto e, com isso, reviews de outros compradores. O que acontece em seguinte é que a taxa de vendas cai drasticamente no setor de calçados e a primeira coisa que você provavelmente vai ouvir é: "Precisamos fazer rollback dessa atualização".
Mas por quê a métrica indica uma falha ou problema, se você teve uma iniciativa de melhorar a experiência?
Simples: os usuários pararam de tomar escolhas erradas e por consequência dos reviews, não concretizaram as compras que iriam fazer. Por fim, a experiência é muito mais honesta, o consumidor está gastando seu dinheiro mais estrategicamente, mas a conversão de vendas foi sacrificada em prol de satisfação. Nesse caso, talvez um caminho mais viável seria olhar para NPS (Net Promoter Score) ao invés de somente a taxa de conversão.
“Want your users to fall in love with your designs? Fall in love with your users." — Dana Chisnell, teacher and usability expert
Por final, e não menos importante, os usuários (?). Não. Indo de forma mais profunda, conhecer as pessoas que utilizam seu produto pode motivar a sua equipe a tornar o produto mais transparente.
E por quê "pessoas", e não usuários?
Porque existe uma diferença crucial na relação entre pessoas e a relação entre consumidor x produto/serviço. Quando posiciona-se consumidores como usuários somente, você cria um laço formal baseado em entrega de valor com pretexto jurídico de fornecer o que foi estabelecido como seu produto. Já numa relação entre pessoas, existe um pretexto moral para trabalhar com honestidade e transparência. O senso de empatia se torna mais real quando entende-se que existem vidas sendo impactadas em ambos os lados.
Tudo que foi escrito não vai fazer sentido se por fim as investigações feitas forem com pensamento em solucionar o problema sem primeiro entender de fato a existência dele. Valide, antes de pensar em soluções. Com certeza terá uma eficiência muito maior.
E depois de realizar todas essas análises e validar, responda a si mesmo: quais são meus planos de ação para tornar a relação produto x usuário mais ética?
Designer de Produto, mestre de RPG, escritor nas horas vagas. Com 4 anos de experiência com desenvolvimento de produtos digitais e interação. Trabalhei com grandes empresas nacionais como Itaú, Zap Imóveis e Viva Real, e consultor de startups.