Como processos de design ajudam a traduzir a linguagem das máquinas em experiências e negócios centrados nas pessoas
Nunca antes na história da humanidade foram gerados tantos dados como agora. E essa quantidade de dados tende a aumentar exponencialmente, uma vez que a todo momento surgem inovações tecnológicas que transformam o comportamento e as necessidades humanas.
Neste artigo, nos aprofundamos sobre esse cenário atual pautado por tecnologias emergentes, onde decisões estratégicas são tomadas com base em dados, e também sobre habilidades e características importantes para nos ajudar a não ficarmos boiando nesse mar de bits e algoritmos.
Partindo do seu smartphone, imagine a quantidade de dados que você pode gerar em um só dia de uso. Mensagens enviadas, músicas ouvidas, vídeos assistidos, distâncias percorridas, energia consumida e por aí vai. Agora saiba que, segundo o relatório anual da Adjust, o número de celulares conectados é maior que a população mundial, que em 2019 chegou a 7,7 bilhões de pessoas. E que, além de smartphones, existe também uma infinidade de dispositivos conectados à internet que comunicam entre si, como pulseiras fit, tablets e até roupas, gerando inúmeros dados a cada fração de segundo. A esse fenômeno dá-se o nome de Internet of Things (IoT)*, ou internet das coisas.
*Internet of Things (IoT) foi um termo cunhado pelo autor e pesquisador Kevin Ashton no MIT, em 1999, e é definido como uma rede de dispositivos físicos, ou “coisas”, embarcados com programas de computador (software), sensores, e conectividade que lhes permitem coletar e trocar dados.
Outro fenômeno associado à IoT é o Big Data, pois nesse contexto estamos falando de volumes extremos de dados, que exigem técnicas computacionais específicas de processamento.
A comunicação entre esses dispositivos se dá através de protocolos de mensagem que envolvem APIs, micro-serviços, algoritmos, regras de negócios e uma série de parâmetros técnicos que não nos cabe aprofundar nesse texto. O ponto que quero chegar aqui é que estamos falando de um modelo de interação intrinsecamente híbrido entre hardware e software, onde máquinas interagem com máquinas, com sistemas, e que, por sua vez, fazem interface com pessoas, seja um consumidor final, ao resolver algum problema ou executar alguma tarefa, ou sejam os profissionais que manipulam esses artefatos para criar soluções. E que quando falamos de IoT estamos falando sobre dados.
Segundo um estudo da Cisco, gigante da tecnologia e das telecomunicações, até 2020 o mercado de IoT terá movimentado em torno de US$19 trilhões, e cerca de 50 bilhões de dispositivos já estarão conectados à internet, trafegando quantidades astronômicas de dados.
Alguns fatores contribuem para que esses números sejam tão expressivos: como o aumento do poder de processamento computacional, sobretudo na nuvem; o aumento da banda larga e o acesso a internet móvel rápida e de qualidade; o aprimoramento, barateamento de custo e popularização de tecnologias como a inteligência artificial e machine learning, blockchain, realidade aumentada, entre outros.
Só pra citar, estas são algumas áreas que estão se beneficiando disso tudo: entretenimento, serviços financeiros, manufatura e produção industrial, automação, healthcare, seguros, serviços públicos, produção de energia, etc.
Há quem diga que os dados são o novo petróleo, pois o dado bruto e cru por si só não diz nada, não é acionável. Mas muito mais do que só gerar dados, as organizações estão conseguindo extrair deles informações com alto valor agregado, o que lhes permite gerar novos negócios. Com isso surge uma demanda enorme por profissionais capazes trabalhar esses dados, os cientistas de dados.
Em se tratando de estratégias de design esse é um prato cheio, pois quanto mais insights tivermos, melhor conhecermos o perfil, as necessidades e as motivações dos nossos usuários melhor. O desafio se mostra em saber como extrair o real valor dos dados através das ferramentas, processos e habilidades adequadas e como internalizar essas práticas no nosso fluxo de trabalho.
Um exemplo é a recente aquisição da empresa fitbit pelo Google, responsável pelas pulseiras inteligentes, em um valor estimado de US$ 2,1 bilhões. Obviamente os interesses vão além da penetração no mercado de wearables (dispositivos vestíveis), mas também pelos dados existentes no seu ecossistema, pela inteligência e pelo know how já consolidados.
Agora você deve estar se perguntando por que eu abri esse artigo com todas essas informações sobre tecnologia e negócios, não é? O que tudo isso tem a ver com UX? Bom, primeiro porque é importante, enquanto designer, estabelecer essa visão sistêmica e interdisciplinar, mas também para evidenciar o fato de que…
…a IoT está presente em todos os lugares e é impossível dissociá-la de temas como tecnologia, criatividade, negócios e produtos e serviços digitais que as pessoas consomem todos os dias.
Esses temas já fazem parte do vocabulário de UX designers e profissionais da área de inovação, então é mais uma questão de saber onde se está pisando mesmo. Contudo, essa mentalidade nos leva a uma nova abordagem para propor soluções centradas nas pessoas e atacar problemas: uma perspectiva baseada em dados, o data driven design.
Pum exemplo prático onde IoT, big data, inovação e criatividade
se convergem eu cito o seriado Stranger Things — que por sinal é meu seriado favorito dos últimos tempos. Através de dados históricos de consumo de conteúdo na plataforma, identificou-se que as pessoas estavam assistindo muitos filmes e séries com referências aos anos 80, e que a partir de um aprofundamento nesses estudos havia uma probabilidade alta de que uma nova série naquela temática pudesse ser bem sucedida. Deu no que deu.
O que cientistas de dados e UX designers tem em comum é a paixão por encontrar padrões na complexidade. Além disso, algumas habilidades são essenciais para trabalhar nessa área como: curiosidade, senso crítico e boa comunicação. Curiosidade para investigar, testar e experimentar caminhos que podem apontar para uma direção mais assertiva. Senso crítico para racionalizar todos os fatores internos e externos que podem influenciar a efetividade da solução ao problema. Comunicação e poder de síntese para expressar adequadamente os insights encontrados para os stakeholders.
IoT já faz parte da realidade da maioria das pessoas. Não é só sobre wearables como fitbit, sistemas de pagamento móveis como Google Pay, ou sobre TVs, lâmpadas e cafeteiras smart. É também sobre eficiência em linhas de produção de fábricas conectadas, carros autônomos, gerenciamento de ativos complexos, otimização de imóveis, sistemas de energia e smart cities, entre várias outras áreas da Indústria 4.0. É sobre definir uma estratégia de dados para criar sistemas mais eficientes, precisos, rápidos, seguros e confiáveis para as pessoas.
O design é universal. As mesmas práticas e processos utilizados na criação de uma página web se adéquam ao cenário da internet das coisas, ou de qualquer outro suporte tecnológico. É sobre entender as reais necessidades das pessoas ao observar, refletir, entender, criar e testar. É sobre ter uma visão holística, colaborar e dialogar com outras áreas. É sobre usar a tecnologia a favor da experiência do usuário e jamais focar nela por si só.
Formado em design gráfico pela UEMG e pós-graduado em Inovação, Design e Estratégia pela ESPM, atualmente trabalha como Senior Product Designer na vertical de Watson IoT da IBM, desenvolvendo soluções B2B para a indústria 4.0, baseadas em tecnologias como internet das coisas e inteligência artificial. Com mais de 10 anos de experiência, define-se como um “problem solver” e co-facilitador de projetos em times multidisciplinares, cujas habilidades consistem em conceber soluções estratégicas de design centrado no ser humano, através de interfaces gráficas, conversacionais, serviços e o que mais vier pela frente.