Comunicar por meio de símbolos, formas e desenhos é algo que corre em nosso sangue há milhares de anos. As pinturas rupestres faziam parte do processo de desenvolvimento e vivência da humanidade em que eram registrados momentos, estações, cultos religiosos, hábitos e experiências, produzidas com as ferramentas que eram oferecidas naquele tempo. O desenhos não eram símbolos bonitos para decorar uma caverna em um domingo no final de verão. Eram símbolos de poder, magia, sobrevivência e, acima de tudo, formas de contar história.
Todos os registros de feitos de anos atrás foram e são muito importantes para entendermos e conhecermos os hábitos e vidas dos nossos antepassados. Entender o que eles temiam, como eram os festivais, quais eram os rituais, como era a vida selvagem, que tipo de problemas eles enfrentavam e como eram resolvidos. Mas para isso acontecer era preciso viver problemas variados, em situações variadas onde cada solução garantia uma nova interpretação e visão.
Imagine você com seu bando de 20 homens enfrentando alguns animais selvagens para conseguir carne e pele o suficiente para alimentar e esquentar sua tribo durante semanas. Se nessa caçada você perde 10 homens e, de alguma forma, expressa isso em desenhos nas paredes, você comunica para o próximo bando da tribo por meio do desenho e da interpretação que naquela difícil luta entre 20 homens e 2 mamutes, os mamutes levaram a melhor. O desenho nesse contexto é simples, pode imaginar sem medo por aí.
Agora imagine uma outra caçada em que 30 homens voltaram a enfrentar os mamutes para garantir comida para sua tribo, e através da interpretação do desenho anterior, esse novo bando aumentou o número de homens para a caçada e assim garantir o mínimo de perdas possíveis. Entretanto, o bando ainda não havia aprendido o suficiente, abatendo apenas 1 mamute e perdendo 10 homens. Com isso um novo desenho na caverna surgiu para ilustrar uma nova situação.
Porém, um jovem que estava se preparando para a sua primeira caçada resolveu dar uma olhada nos desenhos anteriores na caverna. Ele percebeu que os homens que enfrentavam os mamutes usavam lanças curtas em suas caçadas, fazendo com que todo bando tivesse que se aproximar muito dos animais para efetuar o golpe certeiro e quanto mais perto eles chegavam, mais eles estavam expostos a ataques mortais. Por meio da interpretação o jovem da tribo pôde elucidar um problema e criar uma possível solução: ele preparou, então, lanças mais longas com pontas mais afiadas para evitar o máximo de contato com os mamutes e assim ficar mais protegido de ataques mortais. O que aconteceu com o jovem e o bando eu não vou te contar, porque eu sou sempre a favor dos animais em qualquer história.
A questão que eu pretendo provocar contando essa história não é reforçar que sou do time dos animais, mas sim o quanto precisamos viver o problema para criar soluções diferenciadas.
Pode ser é um pouco louco falar de design e pintura rupestre comparando a forma de resolver problemas como nossos ancestrais faziam há mais de 50 mil anos. Mas será mesmo?!
Os problemas que surgem e que podem ser resolvidos de forma criativa são vastos e muito diversos, a forma de resolver esses problemas são mais vastos e diversos ainda.
Aprendemos, ou deveríamos aprender com mais clareza que cada problema exige uma solução criativa diferente. Segundo o Wikipedia, o design é: “a idealização, criação, desenvolvimento, configuração, concepção, elaboração e especificação de produtos, normalmente produzidos industrialmente ou por meio de sistema de produção em série que demanda padronização dos componentes e desenho normalizado. Essa é uma atividade estratégica, técnica e criativa, normalmente orientada por uma intenção ou objetivo, ou para a solução de um problema.” Bonito, né?! Sim. Plural, né?! Nem tanto.
O design veio sendo modificado por várias mãos, várias cabeças e vários briefings. Mas claro que isso já tinha uma grande probabilidade de acontecer, já que o design é evolutivo, como a comunicação, como as pessoas. Porém, entre tantos “papéis sociais” e movimento da sociedade, o design gráfico acabou se perdendo entre um cartão de visita e um panfleto 21x15, 4x4 cores para informar algo para alguém, ou, contextualizando nos dias mais atuais, 10 posts para redes sociais. Não me entendam mal, eu não vejo problema nenhum em fazer um folder ou 10 posts para redes sociais, se isso resolver o problema que você foi contratado para resolver.
Carregamos em nós a ânsia da criação. Precisamos criar. Parece que fomos feitos para isso e é quase um chamado divino ser criativo. Poético né?! Também achei, mas não acho que seja bem por aí. Ser criativo, como em outras profissões, consiste em resolver um problema. Se você contrata um eletricista para sua casa você quer resolver um problema elétrico e não quer apenas um fio de energia novo. Se você contrata um pedreiro você deseja construir algo e não quer apenas um tijolo. Se você contrata um designer você quer resolver um problema de comunicação, e não, a solução não é fazer apenas uma marca nova.
Mas para resolver um problema criativo devemos fazer uma pergunta: “Estamos realmente focados em resolver o problema de forma criativa? Ou queremos apenas ter um portfólio bonito e outras bandeirinhas no Behance? Ou melhor, estamos entendendo o problema que precisamos resolver ou apenas queremos liberar esse freela para pegar outro logo?
Para isso, vou precisar problematizar o problema, (nossa tão 2020 isso né?!). Imagine João, ex executivo com mais de 20 anos de profissão que resolveu trocar sua gravata listrada por um avental de courino preto e algumas xícaras de café em sua própria cafeteria. João não entende de design, seu contato mais próximo foi em um workshop com mais 10 funcionários para colar uns post its coloridos em uma parede com um quadro escrito Design Thinking. João até gostou do processo e do pensamento, mas João estava preocupado com alguns notas fiscais que precisava liberar. Não culpo João, ele trabalhou a vida inteira do lado de um mini departamento de designers que faziam cartões de datas comemorativas para a empresas e, adivinhem, alguns posts para redes sociais.
Cansado daquela vida estressante e da rotina que já não fazia mais sentido, João resolveu juntar todas suas economias, seus investimentos e viver da sua grande paixão que era o café. Ele fez alguns cursos para entender mais do processo de produção, começou a visitar cafeterias ao redor do mundo para criar e identificar como queria que fosse a sua cafeteria, afinal de contas, João queria se sentir o máximo que pudesse em casa quando fosse trabalhar.
Após 12 meses entre cursos e viagens, João finalmente encontra o imóvel perfeito para locação. Encontra também fornecedores e monta com a ajuda de um amigo uma mini equipe em que ele acredita fielmente que vai viver o mesmo sonho que ele. Após o contrato de locação em mãos, equipe em treinamento, escolha da mobília, entre outros detalhes, João percebe a necessidade de ter uma marca para o seu café, afinal ele irá precisar futuramente de um cardápio, uma placa, cartão de visita, bordado para o uniforme... Mas o planejamento de João saiu do controle e ele terá que economizar ainda mais. Como João pôde pensar na marca só agora?! E os materiais que ele precisará imprimir? Sim, você sabe que isso acontece sempre.
João tem um sonho, onde a marca não representa apenas um símbolo, mas representa a liberdade, a nova vida, o planejamento, todas as economias e o mais importante, um sonho e um símbolo bonito não resolve todos esses problemas. E nesse caso, o designer deve escutar e não só ouvir o problema.
No caso do João, por exemplo, poderíamos pensar em criar uma placa externa com restos de materiais da obra como madeiras e ferros contorcidos? Aproveitar sacos de cafés para fazer a identidade visual ou até mesmo usar grãos de café para fazer a marca? A solução criativa está em viver o problema!
É entender que cada cliente tem uma narrativa diferente para seus problemas, que cada cliente tem uma rotina de vida diferente e uma possível experiência com design diferente. É preciso entender que cada problema vai pedir uma solução diferente e que em algumas vezes essa solução nem será gráfica.
Nessa nova década que se aproxima, eu acredito que precisamos escutar mais para criar melhor. Precisamos de uma maneira mais clara, criativa e divertida para continuar criando. E de alguma forma demonstrar para os próximos “Joãos, Joanas e Joanx” que a criatividade é transformadora quando valorizada, nem que para isso a gente precise voltar a desenhar nas paredes das cavernas.
Criadora da Amarelo Criativo, plataforma de conteúdo para criativos relacionados a comunicação, design, publicidade entre outros assuntos através de vídeos no youtube, podcast, blog, instagram, e facebook.