Tudo o que precisamos para começar e continuar andando.
A forma mais enxuta de colocar minha ideia é a seguinte: designers precisam pensar e fazer . Parece simplória, mas não é. Cheguei nela justamente por uma característica tão cara a quem trabalha com design, que é buscar a síntese.
Como cheguei a essa conclusão? Conclusão que, diga-se de passagem, está mais para um ponto de partida. 1) Pelo texto de Don Norman publicado em 2016¹, e 2) por conta da minha experiência como designer desde 2003.
No primeiro, o nosso querido "Mestre Yoda da UX" (com sua permissão, seja lá a quem devo pedir para chamá-lo assim) fala sobre um dilema, uma bifurcação no caminho: o design como ofício e o design como forma de pensamento.
No design como ofício, temos um foco em produzir objetos bem acabados, eficientes e belos. Norman comenta sobre o fato de que esse enfoque funcionava bem em um contexto onde se projetavam coisas simples como relógios, eletrodomésticos ou móveis, mas que isso mudou à medida que aparatos tecnológicos foram adicionados ao nosso dia a dia.
A complexidade trazida por computadores pessoais, redes de comunicação, sensores etc. passou a exigir dos profissionais de design uma abordagem que trouxesse evidências além das suas intuições. Em linhas gerais, isso formou um campo de estudo que o artigo descreve, e que vai no sentido de ser o "design como forma de pensamento": definir o problema a ser endereçado; partir de observações e análises; gerar aprendizado através da ação, iterativamente.
Quero conectar minha experiência profissional com isso que ele fala, e suponho que várias pessoas vão se identificar.
A minha via de entrada foram as ferramentas de design. Fazia meu trabalho da melhor forma possível mas, para ser sincero, a aprovação de colegas e empregadores nesse momento era o melhor parâmetro que eu tinha. Dependia da ajuda de não-especialistas em design para crescer como designer, e mesmo com curso superiores em áreas afins (Comunicação, Artes), eu me considerava autodidata².
A virada de chave só aconteceu quando comecei a avaliar o impacto do meu trabalho junto aos clientes/usuários e junto aos meus pares designers da comunidade, além de conhecer melhor os princípios e conceitos fundamentais de design. Evidências, auto-reflexão, teoria. Agora eu tinha ao meu lado o fazer (ofício) e o pensar.
Pensar é a capacidade que temos de refletir sobre quem somos e o que fazemos. Aprender com erros e acertos, nossos e dos outros. É desenvolver um repertório e forjar o senso crítico. Em mais detalhes, pensar é uma ação que se fortalece através destas outras:
Num mundo de atenção fragmentada, ler um artigo de mais ou menos 5 minutos no Medium pode ser considerado uma proeza. Ler um livro, um ato revolucionário. Minha dica: esqueça "como ler 100 livros por ano" e, ao invés disso, procure sempre estar lendo algo. Formatos curtos (tweets), uma crônica no jornal, blogs, Wikipedia... tudo vale! Se isso já é algo dominado, a próxima fase é ler com mais variedade e profundidade. Livros técnicos, especializados, mas também ficção, biografias. Entrar no bom ciclo virtuoso de ler porque quer ler.
Pegar conversas no ar, no transporte público, no consultório, ouvir boas histórias: isso tudo dá o que pensar, e sacia (ao menos em parte) nossa curiosidade. Há quem diga que estamos sempre entrevistando, quando conversamos. Se isso é verdade, convenhamos, a parte mais difícil é ouvir e não só ficar esperando a nossa vez de falar.
Você pode usar esse sentido para ganhar mais "tutano". Se ler não é sua atividade preferida, você pode ouvir livros (audiobooks). Mais curtinhos, os podcasts são uma caixa mágica a ser explorada em caminhadas, bicicletadas, ou viagens de carro até o trabalho ou aula.
Uma compulsão comum entre designers é a de ficar olhando as pessoas interagirem entre si e com produtos, serviços, marcas. Enquanto isso, tomamos notas mentais, ou tiramos fotos, não dando bola para o que vão pensar das imagens de placas de sinalização toscas, torneiras difíceis de usar ou screenshots de produtos matadores (no bom sentido!). Quem é vivo, constrói uma nuvem de referências visuais de tudo que é tipo: artes visuais, arquitetura, produtos digitais, cultura popular etc. E assim como ler ou ouvir um livro permitem um mergulho profundo, ver documentários ou filmes sobre design e assuntos relacionados não deixa por menos nesse sentido.
Que grande vantagem é saber decompor, picotear, destrinchar um problema em pedaços para poder analisá-lo melhor! Distribuir ações ao longo do tempo (planejar), saber fatiar dados e contextos complexos, enxergar correlações, causas, lógicas, montar raciocínios... Eis habilidades que nos tornam distintos num meio onde estamos mais habituados a sintetizar.
Antes, durante ou depois de pensar, precisamos botar algo no mundo. De preferência, algo que faça alguma diferença. Podem ser pequenos gestos ou outros mais audazes, desde que estejam além do plano das (boas) intenções. Como formas de fazer, temos:
Protótipos digitais : a construção de uma ideia que se preze, no cenário atual, passa pela materialização em algum grau de fidelidade e interatividade. Saber mexer com essa matéria nos ajuda a validar o interesse alheio. O que quero por no mundo é o que as pessoas precisam? O custo de um protótipo pode ser baixíssimo, inversamente proporcional ao aprendizado.
Protótipos físicos : é comum vermos profissionais de design ficarem saturados de só lidar com artefatos digitais, e procurarem trabalhos manuais para desopilar, tais como construir um abajur, pintar um barco em miniatura, fazer colheres de madeira. Além disso, designers digitais podem ampliar seu escopo e projetarem dispositivos físicos, ou mesmo espaços!
É fazer algo, solicitado ou não, dentro da empresa em que trabalha ou como projeto paralelo, por conta própria ou em associação com outras pessoas. É entender de perto com funciona um negócio. Sustentar uma ideia nesse nível (um evento, serviço, associação...) nos faz entender que as decisões mais estratégicas não se produzem no vácuo ou, com frequência, num cenário longe do ideal.
Para além da dicotomia fazer vs. pensar, algumas das coisas que colocamos no mundo são pensamentos materializados, ou artefatos pensantes. Acrescentam algo tangível, como falei antes, mas também trazem uma reflexão. Podemos considerar aqui entregáveis como, por exemplo, achados de pesquisa ou uma análise de dados. Como extensão, temos:
Concretizar ideias de forma visual – com facilitações gráficas, vídeos, visualizações de dados ou apresentações – é um jeito de trazê-las ao mundo antes mesmo da execução, quando não são a execução propriamente dita. O exercício nesse caso é o da síntese, onde temos que escolher o que sai e o que fica. Design puro³!
Versar sobre nosso trabalho ou dos outros na forma escrita traz uma riqueza enorme a eles, além de clareza. O tempo da escrita normalmente requer que paremos para pensar, sozinhos, sendo uma atividade imersiva. Mas uma vez publicado, um texto pode ganhar vida própria, independente de quem escreveu. Considerem a possibilidade de um e-mail sobre um projeto, ou a submissão de palestra como um trabalho de design, pois os princípios são os mesmos.
Em par com a capacidade de ouvir, a capacidade de se expressar oralmente é um trunfo que pode ser desenvolvido, a despeito de inibições que possamos ter. Ela não precisa se manifestar somente diante de um grande público, mas também – e talvez com maior impacto – no contato cara a cara ou em grupos mais restritos, como o da equipe em que trabalhamos. Vale lembrar que uma exposição verbal pode ser uma das expressões mais "quentes" que teremos de uma ideia.
Começar a andar e continuar andando como designers, mas com orientação. Essa é a proposta deste artigo. Uma orientação não prescritiva, porque afinal de contas, somos ou não seres pensantes? Sim, mesmo que "muitos dos pensadores de design mais proeminentes de hoje começaram como designers pelo ofício"⁴.
Referências
1 The Future of Design: When you come to a fork in the road, take it
2 Isso continua valendo: "With the powerful drawing and tools for fabrication, many self-trained people will start designing. (...) Formal grades and degrees are no longer necessary. Some courses and workshops will have certificates, but these are not always needed. People will take them to learn."
3 Ainda no mesmo artigo de Norman: "Designers think by drawing, using the spatial layout of the drawing to enhance their ideas."
4 Tradução livre minha: "(...) many of today's most prominent design thinkers started off as professionally trained craftspeople."
Designer com mais de 15 anos na profissão, com experiência em cada etapa do processo de design, e foco em construir produtos digitais, sintetizar ideias visualmente, e participar da comunidade com palestras e organizar um evento, a UXConf BR. É co-criador do evento, além de Product Experience Manager na Linx.